Sumy
Domingo de Ramos. Pessoas saem da missa. E recebem dos céus, não bênçãos divinas, mas dois mísseis russos para as matar. Morrem 36 pessoas, acrescentam-se os feridos que ainda estão em estado grave. Já o ano passado, na zona de Kharkiv, a Rússia tinha atacado com drones, na altura da Páscoa. E porquê? Porque são nestas alturas festivas que as hipóteses de atacar civis são maiores. E ainda acreditam na boa-vontade dos russos em negociar a paz? Trump acredita em outra coisa: que o ataque a Sumy foi um engano. Claro, Putin queria mandar fogo de artifício e enganou-se, mandou mísseis. Deve ter sido esse tipo de engano, com certeza. Sejamos sérios. Parece evidente que Putin brinca com a aparente autoridade norte-americana e, não só desvaloriza, como humilha qualquer intenção de Trump de ser o “grande apaziguador”. Irritado, Trump responde aos jornalistas, a propósito do ataque: perguntes-lhe a eles, esta guerra é de Biden. Eu quero é travá-la. Do outro lado, a Rússia mantém o seu discurso manipulador, dizendo que foi uma provocação encenada por parte da Ucrânia, para sabotar as negociações, usando os civis. E tem a audácia de comparar com Bucha que, para eles, russos, foi outra encenação. Acrescentam que, basta falarem com um representante de Trump, para acontecer alguma coisa estranha na Ucrânia, pois esta quer prolongar a guerra. Que o alvo era a reunião dos comandantes ucranianos e que esses mísseis mataram só alvos militares, 60 soldados. Não, na realidade foram civis, num Domingo de Ramos, celebrando a entrada de Cristo em Jerusalém. Alguns até poderiam ter acabado de rezar a pedir o fim da guerra. E obtiveram o fim da vida. No fundo, é isto o que Putin pretende. Vencer Trump no cansaço e no desgaste; incutir o desânimo, o medo e a cedência do povo ucraniano, saturado de sofrer. Não respeitar qualquer negociação de paz ou o pedido de cessar-fogo. Continuamente atacando, matando, destruindo, e fazendo de conta que a culpa é dos ucranianos. Só porque eles existem, não cedem, morrem de pé, dizendo Slava Ukraynii. E a resposta, que continua a ecoar, Heroyam Slava, se um dia se cala, é para ser substituída por outro alvo.
Putin não vai parar enquanto não ganhar o seu novo território imperial. Um novo império russo. Com o beneplácito de quem vê a Ucrânia como um campo de imensas compensações económicas, e não um país com um povo, uma cultura, o seu direito à liberdade, e a ser deixado em paz. Quando os ucranianos se cansarem, cederem, os seguintes serão quem, os moldavos? Em 2004 estes eram 4 milhões, em 2023 só 2 milhões e meio, diz-se que agora é pouco mais de um milhão, com receio do avanço russo. Também eles se libertaram do jugo soviético em 1991 e na Ucrânia vêem agora o seu futuro.
Domingo de Ramos. E no fim, quem Ressuscitará?
Professora auxiliar da Universidade Autónoma de Lisboa e investigadora (do CIDEHUS).
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico