Maria Teresa Horta faleceu em 4 de fevereiro deste ano. Poetisa e jornalista, denunciou a repressão política e sexual do regime fascista-católico que Salazar inventou. O livro Novas Cartas Portuguesas, que escreveu com Maria Velho da Costa e Maria Isabel Barreno, escancarou o papel opressivo da mulher no Estado Novo. As “três Marias” foram levadas a tribunal. Após o 25 de Abril, Horta continuou, brilhantemente, a usar a literatura como território de intervenção social — sempre feminista, sempre democrática. A violência doméstica e a desigualdade salarial entre homens e mulheres são das maiores injustiças do século XXI português. Nuno Portas faleceu a 27 de julho. Arquiteto. No pós-25 de Abril, integrou os primeiros governos provisórios como Secretário de Estado da Habitação. A sua ação teve impacto duradouro: liderou o projeto SAAL, de promoção da autoconstrução, do urbanismo participativo e da habitação social, defendendo o direito à habitação como pilar da dignidade democrática. O custo insuportável das casas para habitação é um dos dramas sociais do século XXI. António Borges Coelho faleceu a 17 de outubro. Historiador. Foi preso pela PIDE em 1956, quando era funcionário do PCP. Depois de sair da cadeia, seis anos e meio depois, foi proibido de lecionar até ao 25 de Abril. Após a Revolução, dedicou-se a construir uma narrativa plural e crítica, dando voz aos esquecidos da história oficial – mouros, judeus, camponeses, operários. Foi um dos primeiros professores a estabelecer práticas democráticas nas aulas e na governação académica universitária. A revisão da história portuguesa para “suavizar” a reputação do fascismo português está em progressão neste século XXI. Francisco Pinto Balsemão faleceu a 22 de outubro. Fundou o Expresso em 1973, quando ainda vigorava a censura prévia, e deu nele espaço a vozes críticas do governo de Marcelo Caetano. Após o 25 de Abril, foi um dos fundadores do Partido Popular Democrático (atual PSD). Foi primeiro-ministro entre 1981 e 1983. Fundou a SIC. Defendeu a liberdade de expressão, a profissionalização do jornalismo e a relação direta da imprensa com a defesa da democracia. A falta de pluralidade ideológica na comunicação social portuguesa, a intolerância à crítica e a influência das redes sociais na formação da opinião pública estão a matar o jornalismo do século XXI. Laborinho Lúcio faleceu a 23 de outubro. Foi ministro da Justiça no governo de Cavaco Silva. Apostou na formação de magistrados e na independência do poder judicial. Defendeu sempre uma justiça acessível, pedagógica e moderna. Em entrevistas e ensaios insistia que a democracia não pode sobreviver sem uma justiça que os cidadãos compreendam e respeitem. O custo da justiça, a manipulação do segredo de justiça e a demora exasperante dos processos estão a matar, no século XXI, a credibilidade do Estado português. Todas estas pessoas, de ideologias tão diferentes, que se combateram ou aliaram de acordo com as suas convicções ou interesses, fazem parte de uma geração que está rapidamente a desaparecer e que construiu, com o povo português, a obra mais notável deste país concretizada no século XX: o 25 de Abril e a democracia regulada pela Constituição. Olho para as figuras públicas da minha geração e das gerações que se seguem. Penso no que estamos a fazer neste século XXI e constato: não somos dignos deles.Jornalista