As leis inadequadas, incluindo as normas constitucionais, podem e devem ser modificadas. Afinal, é uma questão de vontade política tomada em função das necessidades. É um processo que envolve o Governo e a Assembleia e, a seguir o Presidente da República para fins de promulgação. Assim acontece, quase sempre, quando não há qualquer contrariedade constitucional. Nos dias de hoje, desde a Primavera de 2020 e depois de todos nós termos sido abalados pelas vagas da Pandemia COVID-19, percebemos, afinal, que a nossa Constituição não permite a adoção de medidas preventivas essenciais para evitar a propagação de certas infeções. Por essa razão, durante a fase de intensa atividade da Pandemia, foi preciso suspender direitos, liberdades e garantias pessoais. Por isso, os bloqueios constitucionais tiveram que ser ultrapassados durante essas semanas, visto que o controlo da Pandemia exigia a suspensão de direitos à liberdade. Para tal, foram declarados sucessivos estados de emergência. Na altura, muitas vezes, foi preciso colocar os doentes infetados em quarentena ou interna-los ou, ainda, organizar cercas sanitárias para impedir a livre mobilidade, na perspetiva de impedir a transmissão de novos casos da infeção. Incompreensivelmente, a norma da Constituição que impede a adoção da quarentena, nunca foi modernizada no sentido do interesse da saúde pública. É tempo para terminar a inércia manifestada pelos diferentes grupos parlamentares da Assembleia da República. Preciso. Como exercício imaginário, pensemos, como cenário hipotético, que uma pessoa, aparentemente saudável, aterra no aeroporto de Lisboa proveniente de uma região afetada por uma epidemia de Ébola. Uma semana antes de embarcar no avião tinha estado em contacto próximo com um amigo seu que estava doente e que viria a morrer poucos depois com um quadro hemorrágico grave. O viajante em causa, já em Portugal, volvida uma semana, adoece com sintomas sugestivos de infeção pelo vírus ébola. Já no serviço de urgência do hospital o médico que o observou coloca a presunção diagnóstica de ébola e decide pelo isolamento rigoroso e internamento em quarto de pressão negativa. Mas, o doente, assustado pelo aparato ao seu redor, diz que não aceita ser internado e que prefere voltar para junto da sua família que o esperava no hotel. Gera-se, então, imensa confusão. O médico chama o agente policial de plantão à urgência, mas o administrador hospitalar confirma que a lei do internamento compulsivo é só aplicável a casos psiquiátricos como indica a alínea h) do n.º 2 do artigo 27.º da Constituição... Ex-diretor-geral da Saúdefranciscogeorge@icloud.com