Soberanistas e federalistas unidos
Independentemente do resultado destas eleições, este ou outro qualquer, há coisas que o parlamento e o governo português não podem fazer, mesmo que queiram, e coisas que têm de fazer, mesmo que não queiram. Resumidamente, é essa a circunstância de qualquer Estado membro da União Europeia (UE). Daqui decorrem duas necessidades reais, a que ligamos pouco, e uma consequência falsa, a que ligamos muito.
Começando pelo fim. Ao contrário do que se diz com frequência, seja para sobrevalorizar a limitação de soberania resultante de pertencer à UE, seja para desresponsabilizar quem nos representa na União Europeia, Portugal não se limita a ter de obedecer às regras feitas por outros em Bruxelas. Na verdade, essa "Bruxelas" não existe. E é dessa circunstância que decorrem as duas necessidades a que ligamos pouco.
Para resolver a circunstância de haver limites ao que o poder político em Portugal pode fazer e ao que não pode deixar de fazer, é necessário europeizar a política nacional e nacionalizar a política europeia. Haverá quem declare, com cinismo ou em sinal de derrota, que se trata de um exercício vazio e inconsequente. Não é. E, em todo o caso, é a política que sobra.
Europeizar a política portuguesa implica reconhecer que a política nacional é a arte do possível dentro do contexto e dos limites do constrangimento europeu. Temos de cumprir (ou tentar) as regras do défice e da dívida pública que o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) nos imponha; temos de aceitar as condições dos acordos de comércio internacional que a UE celebra e estamos impedidos de os celebrar segundo os nossos interesses específicos; estamos obrigados a descarbonizar e a atingir o objetivo de energias renováveis imposto na UE, reduzir o uso de plásticos como determinado pela diretiva europeia, combater a lavagem de dinheiro da mesma forma que os restantes países da UE, proteger os utilizadores da internet como a Europa escolheu fazer, e por aí fora. A política nacional só existe dentro dos limites que cabem na União Europeia, e esses limites abarcam cada vez mais temas. Sem reconhecer isso nem vale a pena discutir política em Portugal.
O reverso da medalha é nacionalizar a política europeia. As grandes decisões europeias, as tais que nos condicionam irremediavelmente, são tomadas com a participação do governo português, no Conselho, dos deputados portugueses, no Parlamento Europeu e, por último, pela atenção ou indiferença que os deputados à nossa Assembleia da República dedicam ao que se discute "em Bruxelas". Toda essa participação nacional deve ser mais escrutinada. Os ministros deviam ir regularmente à Assembleia da República explicar a posição portuguesa nas negociações europeias, dizer que perspetiva de interesse nacional determina que se queria ou não a revisão das regras do PEC, o desenvolvimento da defesa europeia (com ou em competição com a NATO), se a possibilidade de haver competitividade fiscal nos é favorável ou não e, de novo, por aí fora.
Achar que não há política nacional porque tudo se decide em Bruxelas é preguiça, cobardia ou soberanismo serôdio. Achar que não podemos influenciar o que se decide em Bruxelas é exatamente a mesma coisa. No início de uma nova Assembleia da República e de um novo governo, podíamos ser menos conformados e mais exigentes. Se não formos nós, como se há de esperar que os que governam sejam? O antieuropeísmo de esquerda e de direita alimenta-se desse vazio. E o federalismo também.