Apenas um excesso de candura poderia supor um governo muito diferente do agora anunciado. Estavam à espera de quê, afinal? Este é o terceiro executivo de António Costa e nenhum dos traços esboçados está desenquadrado do padrão previamente estabelecido. Bem antes pelo contrário. A elefantíase ministerial, a continuidade com o Socratismo, o amiguismo, o nepotismo e o familygate, a fraca ligação extrapartidária, tudo isso existe desde 2015 (para não dizer mais), apurou em 2019 e condensou agora em 2022. Bem podem as virgens ofendidas rojarem-se por aí a arrancar cabelos de indignação. A verdade é que, em sete anos de passeio, sem qualquer oposição, com PCP ou Bloco descaracterizados e PSD - bem como CDS - moribundos, o Partido Socialista navegou à vista, à sua bela vontade, sem engulhos e sem competição..Esta gritante falta de concorrência, desse estímulo essencial, é também responsável pelo agravar da obscena partidocracia portuguesa. Há uns anos, a socialista Elisa Ferreira bradou: "o dinheiro é do Estado, é do PS". O lapso confirmou o que há muito se sabia - o bloco central sempre se achou proprietário dos cofres públicos e do aparelho estatal. Foi esse veio que Costa apanhou e por isso, ao longo de todo este tempo, entre os mais fatídicos incêndios em Portugal e uma ruinosa gestão da covid (recordista europeia em mortalidade excessiva); entre o homicídio de 18 idosos em Reguengos onde impera uma rede cacique de selo rosa; ou entre a nomeação para Chefe de Gabinete do mais que socratista Vítor Escária, a par da continuidade de Galamba; depois do florescimento de amizades e informalidades em São Bento (desde Diogo Lacerda Machado a Costa Silva), o compadrio sedimentou do micro ao macro, do local ao global. É geral. Os portugueses, carentes de alternativas e vergados pelo rosário interminável de crises, tudo vão relativizando, desculpando, aceitando..Uma maioria absoluta com fundos europeus a bater à porta seria uma oportunidade rara para reconstruir o país, qualificar Portugal. Mas o que a escolha deste leque ministerial demonstra é exactamente o oposto - mediocridade, bajulação, o velho taticismo de manter os adversários por perto, a obsessão pela confiança. De resto, Medina nas Finanças e Costa Silva na Economia só indicam que a dita bazuca dificilmente servirá um projecto, um plano nacional. De resto, onde está esse rasgo? Onde está essa discussão? O último suposto grande projecto do PS, o dos 12 economistas, foi apresentado em Março de 2015. Foi fogo fátuo, mera propaganda e o facto é que, entretanto, continuámos a ser ultrapassados por outros países da UE a 27. Em 2002 ocupamos o triste 21.º lugar..Mas já nem se dão a esse trabalho de disfarçar, já nem perdem esforços no mise en scène, é tudo na cara do eleitor, e, perante isto, o que nos resta mesmo é discutir os rostos que ocupam as pastas e nunca as respectivas políticas e sua qualidade. Nesta altura, o país deveria estar a debater a missão a que cada dos ministros se propõe, sobretudo agora que assombram as ameaças de estagflacção e outros desastres de guerra. Mas o único projecto no ar é o do PS se manter no poder. Continua bem lançado.. Psicóloga clínica. Escreve de acordo com a antiga ortografia