Sinais da Nova Europa
É sempre cedo para fazer previsões, mas ao fim de menos de um mês de guerra na Europa, há algumas coisas que parecem estar estabilizadas.
Os europeus reconheceram que a sua segurança é responsabilidade sua, e que se garante com os americanos, não contra, nem em alternativa aos Estados Unidos da América. Os alemães acham que a defesa afinal é importante, e que têm de pagar por ela. E os nórdicos, que sempre se preocuparam com a sua segurança, mas a garantiam entre a neutralidade e um eventual exército europeu, agora querem vê-la feita coma NATO. Ou pelo menos lá perto.
A energia voltou a ser geopolítica. No início deste século, a energia era sobretudo uma questão estratégica. As energias renováveis eram uma forma de depender menos do Médio Oriente, uma região habitualmente problemática. Só depois era uma questão ambiental e económica. Nos últimos tempos, a energia parecia ser apenas uma parte da grande questão das alterações climáticas. Com a invasão da Ucrânia, é em Putin, não em Greta Thunberg, que os decisores pensam, quando pensam em energias produzidas na Europa. Um e outro objetivo são compatíveis, mas a resposta imediata não se faz sem combustíveis fósseis. Nem sem custos.
O alargamento da União Europeia (UE) também voltou a ser matéria geopolítica. Como na década de 90. Até há pouco tempo, havia fadiga do alargamento. E desilusão. Tinha-se alargado muito a UE e nem tudo tinha corrido bem a Leste. Os próximos teriam de esperar. Agora, por causa da Ucrânia, o alargamento voltou a ser uma questão de área de influência da União Europeia. Ursula von der Leyen tinha dito que a sua comissão ia ser geopolítica. Vai ter mesmo de ser.
Os blocos parecem estar de volta e a globalização em retrocesso. Num mundo de blocos, a Europa não é um terceiro género, algures entre Estados Unidos e a China, quase equidistante. Não. A Europa não será a continuação dos Estados Unidos, e não pode ser o que os Estados Unidos quiserem que seja, mas é claramente parte do Ocidente, que ainda é liderado pelos americanos.
Ainda estávamos a descobrir como ia ser a economia da pós-pandemia e já vamos, provavelmente, entrar numa economia condicionada pelas consequências da guerra. Uma vez mais, com impactos diferentes, e distintas capacidades de resposta dos Estados-membros da União Europeia. Auxílios de Estado facilitados, mas que dependem sempre da liberdade orçamental de cada um, decisões do Banco Central Europeu em função de uma realidade económica que pode ser verdade numa parte do Continente, mas não noutra, ainda maior incentivo à criação de campeões europeus à escala global, mesmo que às custas das regras da concorrência europeia. Neste cenário, ainda é cedo para dizer se o Plano de Recuperação Europeia vai ter sucessores, mas já é possível dizer que não é impossível que venha a haver mais alguma coisa do género.
A coragem física voltou a ser importante na política. Zelensky, claro. Mas também a corajosa viagem dos três primeiros ministros a Kiev, a semana passada. Que pode ter ditado o fim do grupo de Visegrado, o V4. As diferenças entre o ultra-conservadorismo do governo polaco e o populismo iliberal de Órban ficaram à vista. Curiosamente, ou não, a direita radical Europeia preferiu sempre o populismo anti-capitalista e anti-liberal de Órban, ao conservadorismo ultra-católico dos polacos. O que não é estranho. O que os move é uma ideia de autoridade, não é uma saudade de valores.
Mas também há muita coisa que não sabemos. Desde logo, o desfecho da própria guerra. Mas podemos e devemos contribuir para o resultado final.
Consultor em assuntos europeus