A Câmara de Lisboa pediu a uma creche que reduzisse o barulho das crianças, depois de queixas de vizinhos. O som das gargalhadas, das corridas e das brincadeiras passou a ser tratado como poluição sonora – mais um problema urbano a exigir solução imediata! Imaginemos, então, o cenário ideal: uma creche onde os mais pequenos permanecem sentados em silêncio absoluto, sem correr pelos corredores, sem brincar no recreio, sem rir alto ou cantar canções desafinadas. Afinal, o riso é um incómodo, a brincadeira um excesso e a energia infantil uma ameaça à paz dos adultos. Talvez devêssemos recomendar o uso permanente da chupeta, excelente para conter vozes indesejadas, ou ensinar desde cedo que a vida deve ser feita de sussurros e passos contidos. Uma infância discreta, quase invisível, seria o sonho de quem acredita que o som das crianças é um problema a eliminar. Mas a realidade é simples e incontornável: as crianças fazem barulho porque são crianças. O som das suas gargalhadas, das corridas e das brincadeiras é sinal de vida, crescimento e aprendizagem. Uma creche não é uma biblioteca nem um mosteiro; é um espaço de socialização, descoberta e alegria. O ruído infantil não é poluição sonora, é expressão de vitalidade. Exigir que uma creche reduza o barulho das crianças é exigir que a infância seja amputada daquilo que a torna única. Em vez de tentar silenciar os mais novos, deveríamos celebrar o facto de ainda existirem crianças – sobretudo, num país cada vez mais envelhecido. E agradecer que existam espaços onde podem brincar em segurança, aprender a gerir conflitos e crescer em comunidade. O som das crianças não é um problema: é, afinal, o som do futuro. E talvez o caminho esteja em cruzar gerações: colocar os mais velhos a brincar com os mais novos. Para uns, seria a oportunidade de reviver memórias e manter-se ativos; para outros, seria aprender com a experiência e sentir-se acompanhados. No fim, todos ganham - porque o riso partilhado não conhece idade. Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal