Os dias longos e tranquilos de Verão que, com frequência, se prolongam pelo início das noites, os ritmos tradicionalmente mais baixos e uma agenda menos preenchida são propícios a uma maior reflexão e, pretensão minha, a um mais demorado, e ousado, olhar para o futuro.Fazendo-o, estamos a contrariar uma tendência tão portuguesa de fazer do passado o nosso discurso dominante. Ou para viver de heroicidades que tiveram a sua época e, quantas vezes, “reescrevemos” sem rigor, ou, para ajustes de contas e julgamentos sumários que, frequentemente, apenas servem para disfarçar a nossa incapacidade.Ouçamos Manuel Alegre, no seu inspirador poemaPortugalO teu destino é nunca haver chegadoO teu destino é outra índia e outro marE a nova nau lusíada apontadaA um país que só há no verbo achar.Cinco séculos depois de termos enfrentado o Adamastor, dois séculos após a primeira constituição liberal, vivido meio século de vida democrática e quatro décadas de integração europeia, o nosso desafio é o Tempo de Futuro , é o de reinventarmos “a nova nau lusíada”.E este tempo de futuro, para quem se coloca a bombordo, neste mundo em que navegamos em vagas alterosas e, de novo, “por mares nunca dantes navegados”, os desafios assumem a urgência de desafios civilizacionais de sobrevivência.O desafio de, mais uma vez, mudar o mundo no sentido de responder aos anseios mais profundos da generalidade dos cidadãos.Desigualdades de vários tipos invadem o nosso quotidiano.As sociedades desenvolveram bolsas de pobreza insuportáveis e fenómenos de acumulação financeira individual que ofendem os mais elementares direitos de cidadania.Entre os sem abrigo com que quotidianamente nos cruzamos e a ostentação dos casamentos em Veneza que vemos nas revistas vai uma insuportável desigualdade que não alimenta o imaginário colectivo, antes estimula o pior do que os seres humanos são capazes.Como é insuportável a diferença entre territórios abandonados e territórios sobrepovoados e, sobretudo, entre a pobreza de uns e a riqueza dos outros.Assim como não podemos aceitar que pessoas normais, com uma vida normal e um emprego normal, não aufiram um salário que lhes permita ter uma casa, comer, vestir e educar os filhos.Todos nós, em nome da dignidade da pessoa humana, devemos viver do nosso trabalho. Os subsídios públicos não podem, salvo casos de ruptura, ser essenciais à vida.Talvez se conseguirmos ser mais iguais e mais atentos à dignidade da pessoa humana não tenhamos de enfrentar males maiores.E, para quem navega a bombordo desta “nau lusíada”, o tempo de agir é agora, sob pena de voltarmos a navegar em mares que já conhecemos e de que não guardamos boas memórias.Parece começar a percorrer a sociedade portuguesa um tempo do passado e um certo “ar de ajuste de contas”. Oxalá me engane.Advogado e gestor