Ser vento ou ser bandeira. A cobardia e o desconhecimento no debate político sobre a Defesa

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Quando o jornalista da RTP Carlos Daniel questionou os cabeça de lista da AD, PS, Chega e CDU às eleições europeias sobre as declarações do almirante Gouveia e Melo ao DN e à TSF - “Se a Europa for atacada e a NATO nos exigir, vamos morrer onde tivermos de morrer para defender a Europa” - antevi que, finalmente, com um conteúdo tão vasto como foi o desta entrevista, o debate sobre a Defesa e a posição dos representantes de quatro grandes partidos, entre os quais os três maiores, traria respostas importantes.

Mas foi como se, sedenta num deserto e a avistar uma fonte de água fresca, esta se transformasse numa miragem.

O chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA) disse o óbvio, para quem conhece o acordo do Tratado do Atlântico Norte, assinado em Washington D.C. a 4 de abril de 1949 que institui a NATO, aliança militar de defesa coletiva entre países norte-americanos e europeus, da qual Portugal é um dos 12 membros fundadores.

Mas as respostas destes cabeça de lista que pretendem representar Portugal no Parlamento Europeu ficaram pela espuma.

Para Sebastião Bugalho, o importante é que “afirmações sobre o futuro da vida dos jovens portugueses numa democracia devem ser feitas por democratas eleitos pelos portugueses. Não pelo chefe do Estado-Maior da Armada”.

Marta Temido descobriu que “a eventual ideia do envio de tropas para o terreno é admitir a escalada daquilo que se passa hoje num contexto regional para uma eventual guerra mundial”.

Tânger Correia interpretou as palavras de Gouveia e Melo como “mais uma declaração de intenções do que propriamente uma declaração de que vamos efetivamente”. Até porque, sublinhou, “não temos ninguém para mandar para lado nenhum”, pois “as Forças Armadas portugueses foram convenientemente destruídas nos últimos anos” e o “desinvestimento na Defesa deixa-nos perfeitamente vulneráveis e desarmados perante qualquer tipo de ameaça”. Lembrou ainda que um eventual envio de tropas “é uma negociação a 27. Não é uma imposição da Comissão [Europeia]”. 

João Oliveira considerou as declarações do chefe militar “preocupantes, porque apontam para o futuro dos portugueses”, designadamente “essa perspetiva de ter de ir morrer porque a NATO nos manda”.

Depreendo que, para estes partidos, é totalmente irrelevante que Gouveia e Melo se limitasse a lembrar um dos artigos mais importantes do Tratado. “As Partes concordam em que um ataque armado contra uma ou várias delas na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque a todas, e, consequentemente, concordam em que, se um tal ataque armado se verificar, cada uma, no exercício do direito de legítima defesa, individual ou coletiva, reconhecido pelo artigo 51.° da Carta das Nações Unidas, prestará assistência à Parte ou Partes assim atacadas, praticando sem demora, individualmente e de acordo com as restantes Partes, a ação que considerar necessária, inclusive o emprego da força armada, para restaurar e garantir a segurança na região do Atlântico Norte”.

Como bem lembrou o CEMA nesta entrevista, “o país é uma migalha na Europa e está aqui isolado no canto sudoeste, mas no mar é central. É central à NATO, é central ao espaço europeu”. 

Como militar que tem de se preparar para os vários cenários, do pior ao menos mau,  sabe que “se tivermos de nos defender, somos todos que temos de nos defender” e que “não podemos é meter a cabeça debaixo da areia e dizer que isso não vai acontecer, porque estamos aqui neste cantinho e antes a Europa toda vai ser conquistada até chegarem cá”. Porque “quando chegarem cá já não vale a pena defender-nos, não é? Porque senão não somos aliados de nada. Quando digo defender o nosso país, não é o nosso país aqui em Portugal, o nosso país é o nosso espaço europeu”.

A Aliança NATO tem obrigações e se não é para as cumprir mais vale abandoná-la já, como sempre defendeu o PCP, e não criar expetativas de que, se um dia precisarem de nós, não só não estamos preparados (nem em meios nem em gente), como não queremos.

Caso contrário, temos de nos aprontar porque é isso que está implícito quando se fala de defesa coletiva ou defesa mútua. E não será uma “decisão a 27”, como disse Tânger Correia. A União Europeia é uma união económica, não é militar. Não será porque Emmanuel Macron disse que temos de ir para a guerra na Ucrânia que vamos.

Será sempre uma decisão NATO, de acordo com os pressupostos do Tratado, aos quais não podemos fugir caso se pretenda permanecer nesta coligação. Não vale a pena ser ingénuo nem demagogo e tentar iludir as pessoas só porque não dá jeito em período eleitoral.

A Federação Russa invadiu um país independente e só a força que tem sido demonstrada pela NATO, na qual se incluem os países da UE, a impediu de ir mais longe. O frágil equilíbrio da paz também se faz por mostrar aos inimigos a nossa força.

Uma NATO unida, resoluta e forte é a melhor dissuasão e caminho para a paz. No fundo, dizer a Vladimir Putin que se ousar invadir os Bálticos, somos um por todos e todos por um. Supor que algum destes países não responde à chamada é arrasar esta força.

Gouveia e Melo contou nesta entrevista DN-TSF que quando fala com um comandante antes de uma missão lhe pergunta se quer ser vento ou bandeira. “Se é vento dirige o seu navio, mas se é bandeira, vai ser dirigido por uma massa informe que tem desejos estranhos e que podem não ser os desejos que o país necessita e que o país quer que sejam feitos”, explicou.

É um teste que se podia transferir para o debate político. Porque quando se fala do futuro dos jovens, dos nossos filhos e filhas, certamente que não vamos querer ser empurrados por quem não passa de uma bandeira gasta e descolorada. Em momentos complexos como o que estamos a viver no mundo, enfiar a cabeça na areia é o que menos precisamos.

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