Ao longo dos últimos dois séculos o mundo, e cada país ao seu ritmo, foi construindo um modelo de sociedade que colocava o ser humano no centro das suas preocupações e que, ainda que com frequentes momentos de hipocrisia, colocava a liberdade e a democracia no centro dos regimes políticos.Por isso, a caminhada que foi feita no sentido da igualdade entre homens e mulheres e a oportunidade que cada geração alcançou de viver melhor do que as que as precederam.Daí que mesmo as mais ferozes e sanguinárias ditaduras se reclamassem de democracias, ainda que adjectivadas “a gosto”, ou se considerassem a si próprias como um período transitório na vida dos povos.E, nos últimos oitenta anos, fomos construindo um conjunto de equilíbrios, de referenciais e de modelos que nos permitiram viver em sociedade, respeitando as diferenças, tendo objectivos comuns e unanimemente aceites.Acontece que a este modelo se está a sobrepor uma certa desregulação, com a força, seja ela qual for e tenha a natureza que tiver, a sobrepor-se ao direito e aos estados soberanos. Em simultâneo temos vindo a permitir uma progressão larvar do descontentamento e da mentira que começam a colocar em causa a nossa capacidade de vivermos em sociedade, porque a intolerância domina, o respeito pelo outro, seja ele quem for e como for, escasseia, e a fraternidade humana parece perder-se.Há novos desafios e novas realidades que não podemos abordar com as ferramentas do passado.Apenas algumas evidências recentes.A generalidade das sociedades ocidentais não questiona a economia de mercado como o seu modelo económico de referência. Com regulação, com poder de supervisão dos estados e com equilíbrio redistributivo, certamente.Mas, caberá no nosso modelo de sociedade que, usando as regras da economia de mercado, estados soberanos adquiram empresas sedeadas noutros países e que produzem e distribuem à escala global produtos de grande consumo passiveis de ser “porta-vozes “das convicções e dos modelos de sociedade dominantes junto dos seus proprietários?Quantos empresários ou investidores privados poderiam mobilizar cinquenta mil milhões de euros (cerca de 20% do PIB português) para adquirir uma única empresa?Também a União Europeia parece, por responsabilidade própria, caminhar para uma alteração do paradigma que conhecemos.Se nos maiores países da Europa se adivinham mudanças, nalguns países essas mudanças já estão a verificar-se com maiorias eleitorais a legitimar candidatos assumidamente antieuropeus e defensores de “democracias iliberais”, seja lá isso o que for, para além de uma “contracditio in terminis”.Enquanto tudo vai ocorrendo à frente dos nossos olhos, os responsáveis da Europa e da União Europeia parecem mimetizar a orquestra do Titanic…Parece que vivemos uma real “mudança de época”.Será que estamos preparados? Advogado e gestor