Semanologia: Quem com ferro mata
No passado dia 4, Pacheco Pereira escrevia no Público o artigo que intitulou O que os clássicos nos dizem sobre os que andam à caça dos outros. Para ilustrar o seu ponto de vista apresentou uma fábula - O falcão e o rouxinol - atribuída a Esopo (c. 620-560 a.C), personagem de que pouco se conhece, que terá vivido na antiga Grécia. Dizia Pacheco Pereira: "Aqui vai uma fábula dedicada aos predadores que por aí andam muito contentes a distribuir gasolina, e aos irresponsáveis que os ajudam a 'gastar' a democracia e atacar a liberdade."
Não tendo referido nomes, nem casos concretos, creio que aludia a certos temas da atualidade política. Direi eu, a colocação em evidência das sucessivas demissões no governo, e os políticos e comunicação social que têm ampliado o tema.
Eis a fábula: "Um dia, um falcão voou até um ramo para espreitar uns coelhos lá em baixo, mas encontrou um ninho de rouxinóis na árvore. Estava prestes a comê-los, quando a mãe rouxinol regressou e lhe pediu que lhes poupasse a vida. "Muito bem", disse o falcão. "Canta-me uma canção e, se for boa, eu poupo-lhes a vida." Estremecendo, o rouxinol cantou para o falcão, mas, quando acabou, este tornou a agarrar nos passarinhos. "Não foi lá muito boa", disse ele, e preparou-se para devorar os rouxinóis. Neste momento, uma seta voou e trespassou o coração do falcão, que caiu morto no chão. Moral: Os que andam à caça dos outros devem lembrar-se de que também podem ser caçados."
""Os primeiros incendiários que andam a distribuir gasolina são os políticos, como o atual primeiro-ministro e o aparelho partidário do PS."
Terminava Pacheco Pereira o seu texto dizendo: "Não são precisas muitas palavras, toda a gente percebe do que é que se trata menos os falcões."
Procurando descortinar a mensagem moral do articulista, diria que a mesma é: quem com ferro mata, com ferro morre. Neste caso, os que colocaram certos temas na agenda pública. Em vez deles, vou referir outros: os primeiros incendiários que andam a distribuir gasolina são os políticos, como o atual primeiro-ministro e o aparelho partidário do PS, que, por falta de controlo sobre os seus ou anuência, aceitaram, defenderam, promoveram ao governo de Portugal pessoas cujas histórias de vida recomendariam outra prudência.
Quem veio contar essas histórias, não o fez, necessariamente, pelas melhores razões (há muitos incendiários neste assunto). Mas o mal inicial está na sua existência. Depois, confundiu-se tudo. Uma febre persecutória misturou situações que não deviam ser misturadas, de forma injusta. Entretanto, o incêndio, que agora grassa de forma lenta corroendo a qualidade da democracia e da liberdade através do aumento do descrédito nos políticos, não tem culpa inicial nos difusores das histórias, mas nos seus protagonistas.
Quem é caçador e quem é caçado? Será que quem com ferro mata com ferro morre? As fábulas existem para nos transmitir conhecimentos sobre a vida e nos ajudar a organizar, em consciência, os valores para nós próprios e em sociedade, promovendo o triunfo do Bem. A realidade ensina-nos que nem sempre é assim - há maldades que nunca se conhecem e gente sem moral que dorme bem à noite com o que faz.
Mas isso não pode esvaziar o sentido dos contos morais e muito menos pô-los, como às vezes parece, ao serviço dos falcões.