Semanologia: A herança política do PS

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Pode gostar-se ou não de Mário Soares. Mas, com Sá Carneiro e Ramalho Eanes, foi determinante para afirmação da democracia portuguesa. Sendo a maior figura do PS, o secretário geral que sucedeu na altura da sua morte (2017) - António Costa - prestou-lhe alguma homenagem séria? Não creio que a escultura minúscula que se lhe fez no meio da arborização do jardim do Campo Grande corresponda a isso. Aliás, um ano antes da sua morte, Mário Soares assistiu à atribuição do nome de Humberto Delgado ao aeroporto de Lisboa. Certamente, teria sido justo, que, à semelhança que se fez com Francisco Sá Carneiro, a quem se atribuiu o nome do aeroporto do Porto, se tivesse dado essa honra a Mário Soares em Lisboa. Não foi essa a opção do governo socialista de António Costa. Porquê?

Se António Costa tratou assim o fundador do PS, será que trata melhor o país? No oitavo ano da sua governação, qual a herança política que deixa a Portugal o segundo primeiro-ministro que mais tempo governou Portugal em democracia?

De forma ridícula, quis diminuir a herança política do primeiro-ministro que mais concretizou em Portugal - Aníbal Cavaco Silva (1985 a 1995). As condições de contexto são diferentes? Sem dúvida. Mas Pedro Passos Coelho com condições muito difíceis fez mais em quatro anos que António Costa em oito. Lembre-se o período de governo de Cavaco Silva: criou-se a lei de bases do sistema educativo, revolucionando-se e generalizando-se o ensino, desde as creches ao ensino superior; criou-se a rede das bibliotecas públicas, a fundação de Serralves e o Centro Cultural de Belém; celebrou-se os 500 anos da descoberta do caminho marítimo para a India e decidiu-se a Expo 98; sistematizou-se as políticas de ambiente e as políticas de juventude; concluiu-se a A1, fez-se a Via do Infante, avançou-se com a Ponte Vasco da Gama; abriu-se a televisão às televisões privadas; desenvolveu-se o PER (programa especial de realojamento) que retirou dezenas de milhares de pessoas das barracas; desenvolveu-se a iniciativa privada e Portugal deu passos decisivos na Europa, convergindo em nível de vida com a União Europeia. A política externa portuguesa deu passos relevantes em África, na Europa, e no resto do mundo. Cavaco Silva foi um primeiro-ministro perfeito? Certamente que não. Foi o melhor primeiro-ministro de Portugal depois do 25 de Abril? Provavelmente.

E com António Costa? Se quisermos identificar reformas ou inovações estruturantes, o que podemos encontrar? Aqui vai: degradação estruturante do SNS, de que acabar com as PPPs da saúde em hospitais que funcionavam bem a custo menor e que agora funcionam mal a custo maior é só um exemplo; degradação estruturante do sistema educativo, de que as performances dos estudantes, a insatisfação de pais e professores é uma evidência; incapacidade estruturante de concretizar uma política de habitação, de que as promessas sucessivas sem concretizações nenhumas é a marca; menor investimento público estruturante das últimas décadas, com degradação do sistema viário, do parque ferroviário, do edificado do Estado, nomeadamente, tribunais; decisões estruturantes de gestão erradas e ruinosas, de que os dossiers TAP, BES e incêndios, são exemplos; divergência estruturante de nível de vida em relação com a União Europeia, com Portugal cada vez mais no fim do pelotão; degradação e descredibilização institucional estruturante do governo, a um nível nunca visto em democracia. António Costa fez coisas boas? Certamente algumas. Foi o pior primeiro ministro de Portugal em democracia? É um bom candidato ao lugar, pois mesmo José Sócrates foi mais reformista.

Assim, depois de Mário Soares - que promoveu a estabilização de uma democracia de modelo ocidental, o SNS, a adesão à União Europeia - quais foram as grandes marcas dos governos socialistas? O pântano (2001); a bancarrota (2011) e o descrédito institucional (2023). José Manuel Durão Barroso (2002) e Pedro Passos Coelho (2011) tiveram de governar com os extraordinários constrangimentos destas heranças políticas do PS.

Luís Montenegro é o líder do PSD e como tal, quem se prepara para poder dar oxigénio, como futuro primeiro-ministro, a um país intoxicado com o nível de degradação institucional a que se chegou. Infelizmente, a incapacidade demonstrada por António Costa de ter mão no seu governo de maioria absoluta - que não é uma orquestra com maestro mas uma cacofonia de vozes com mentiras à mistura - tem degradado de forma ruinosa a credibilidade institucional do órgão executivo por excelência, favorecendo os populismos e os extremismos. Infelizmente, nem as boas notícias que são a baixa do défice ou o crescimento da economia conseguem segurar os erros e más decisões que fazem de Portugal um barco sem homem do leme.

Até quando vamos ter de viver na evidência da degradação a que estamos remetidos, quais personagens de uma telenovela escrita e desempenhada por amadores de terceira categoria?

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