Ainda me lembro do tempo em que o meu avô trabalhava todo o dia de sábado. Depois apenas durante a manhã. E finalmente chegou a semana inglesa - as 40 horas. Existir um sábado livre tornou a vida a dois ritmos, gerou um corte entre trabalho e vida pessoal. Quase 50 anos depois, a hipótese de uma sexta-feira livre será um novo momento civilizacional. Permitirá uma segunda vida pessoal mais de acordo com as expetativas destes novos tempos. Mas é absolutamente necessário que o Governo estude esta decisão com pinças porque todas as organizações, numa primeira fase, vão ficar numa situação difícil..Há tarefas, sobretudo nas pequenas empresas, que são desempenhadas apenas por uma pessoa. Há coisas que têm de ser produzidas durante cinco dias, não apenas em quatro; há alterações de última hora que tornam complexo reduzir-se o fluxo de trabalho somente até quinta-feira. É verdade que o aumento de produtividade dentro dos quatro dias pode ajudar, mas ninguém consegue garantir que vai suceder..Dir-se-á que as empresas podem contratar mais gente e assim gerarem mais emprego e turnos diferentes. Só que isto representa um enorme aumento de custos salariais a que não se consegue responder de um dia para o outro. Acrescente-se ainda um outro fator: Portugal continua com uma enorme carência de mão-de-obra. Por fim, e talvez mais importante: aumentar o número de trabalhadores para o mesmo processo produtivo não se vai traduzir em melhores salários para todos. O histórico dos Governos de António Costa faz recear pelo excesso de voluntarismo político em assuntos laborais. Antes existia a pressão da "geringonça". Agora, com a nova maioria, há uma obrigação de se pesar melhor o que isto significa no quadro macroeconómico. A pressão dos sindicatos vai adensar-se porque não resta aos partidos à esquerda muito mais que greves e disrupções sociais. Entretanto, há muito mais país do que Lisboa bloqueada, as eternas lutas da CP e Metro ou as incontáveis paralisações da Função Pública. A economia privada está a resistir e também merece equilíbrio e ponderação. Medidas de fundo não podem ser moeda de troca em barganhas de ocasião..Em termos práticos, o Governo vai começar pela semana dos quatro dias na Função Pública? Ou seja, vai trocá-la por aumentos salariais? Dir-se-ia que saímos todos a ganhar - mais digitalização facilitaria um menor custo de pessoal e de funcionamento. Mas para isso precisamos de garantir serviços realmente mais eficazes durante quatro dias. Por outro lado, a semana de quatro dias terá um impacto brutal na massa salarial do SNS ou na Educação, por exemplo. As contas estão feitas?.A semana dos quatro dias vai acontecer, parece irreversível. Não se pode é pedir tudo ao mesmo tempo: melhores salários e maior competitividade, mais horas de formação, cada vez mais isenções de presença, horas extras cada vez menos flexíveis, e ao mesmo tempo 28 (ou 32) horas por semana. Precisamos também de um grande consenso social para admitirmos muito mais imigrantes porque não temos recursos humanos suficientes..Se produzíssemos alta tecnologia ou serviços avançados, era simples. Agora, estando infelizmente ainda tão baseados em mão-de-obra (veja-se o turismo), esta decisão mudará irreversivelmente o perfil da nossa economia. Teremos de vender mais caro sem perder mercado. Não é fácil. Conseguimos passar a nórdicos numa legislatura?.Jornalista