Seguro e não formoso

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Presa no seu atual labirinto, a Esquerda portuguesa tem nas próximas eleições presidenciais uma prova de vida essencial, depois de sucessivos desaires eleitorais recentes. Com o hemiciclo parlamentar cada vez mais reforçado à direita e a paisagem autárquica agora sob tons alaranjados predominantes, as Presidenciais surgem como campo de batalha crucial para a Esquerda manter algum poder de influência visível entre os principais palcos do sistema político português. Como sabemos, no entanto, o processo que culminou este domingo com a escolha de António José Seguro como o candidato presidencial apoiado pelo PS revela tudo menos a prova de vitalidade de que a Esquerda precisava com urgência.

Nada disto tem a ver com Seguro, no entanto. É hoje o que era há dez anos. Mais do que um facto político, a elevação de António José Seguro a principal esperança presidencial da esquerda portuguesa é mais um sintoma clínico dessa mesma Esquerda. Um ex-líder afastado por não conseguir aglutinar o partido que regressa agora à cena política como o nome mais viável para tentar travar a Direita. Não propriamente porque entusiasme, mas porque foi o nome que sobrou. Convenhamos: não há outra forma de interpretar o embaraçoso compasso de espera do Partido Socialista para oficializar este apoio.

A verdade é que a Esquerda portuguesa atravessa hoje uma via crucis que se arrisca a ser longa e penosa. Chega a esta antecâmara das Presidenciais sem fôlego, depois de derrotas sucessivas e de uma erosão que não é apenas eleitoral, mas identitária.

 Claro que não se trata de um fenómeno particular português. Há hoje uma exaustão política à esquerda que ecoa a nível global, fruto de uma fragmentação ideológica que a direita populista tem cavalgado com sucesso. Se a Esquerda moderada da Terceira Via, nos anos 1990–2000, foi vista por muitos como conivente com o neoliberalismo, extremando as bases, recentemente vimos como as causas mais progressistas  (feminismo, direitos LGBTQIA+, ambientalismo, antirracismo, imigração), que se tornaram centrais na agenda da Esquerda, alienaram alguns setores mais conservadores ou das tradicionais classes operárias, que veem esses temas como elitistas ou distantes dos seus problemas quotidianos.

À Esquerda contemporânea falta hoje uma nova visão inspiradora de futuro, uma narrativa unificadora, um “nós” coletivo que consiga juntar precários, ambientalistas, estudantes, minorias, trabalhadores e empresários em torno de uma agenda comum de progresso.

A verdade é que hoje, em Portugal e não só, a Esquerda vive em exaustão política e emocional. É neste contexto que surgem as Presidenciais, com os órgãos dirigentes do PS resignados à carta que lhes sobra, no apoio a um candidato que não convence sequer dentro do próprio partido. Reforço, isto não é sobre Seguro, é sobre uma Esquerda presa no seu labirinto, sem músculo nem imaginação para apontar um caminho, uma Esquerda a quem falta um projeto mobilizador, uma narrativa épica, uma energia disruptiva. Em suma: algo e alguém que a faça acreditar outra vez.

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