Segurança e Defesa da Europa. Um tema urgente e obrigatório

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Há hoje múltiplas razões para que a Europa e os europeus estejam seriamente preocupados com a sua Segurança e Defesa. Ainda que sumariamente, olhemos para essas diversas razões.

Desde logo a situação que persiste na Ucrânia como resultado da inaceitável invasão pela Federação Russa. No terreno a situação não é fácil e nas chancelarias ocidentais vão-se acentuando vozes que questionam e tornam mais problemático o apoio oportuno à Ucrânia. A consequência é tripla. Por um lado, potencial enfraquecimento da capacidade ucraniana de resistir e vencer. Depois degradação das perspetivas ligadas aos  temas da adesão da Ucrânia à UE e, eventualmente, à NATO. Finalmente o acentuar de divisões intraeuropeias. E ainda a compreensão, que é já bastante sentida, da usura que esta guerra, como todas as guerras, vai causando.

É também impossível ignorar a situação no Médio Oriente, com foco especial para o que se passa em Gaza. Deste pesado dossier também relevam acentuadas divisões intraeuropeias, como as votações nas Nações Unidas têm evidenciado. Disso não se excetuando sequer as tentativas de reposta ou mitigação à muito trágica dimensão humanitária do conflito. Ao mesmo tempo que se o termo desta guerra é dificultado com a simultânea promoção e aceitação do princípio dos dois Estados, ele é há muito consagrado pelas Nações Unidas.

Enganam-se os que não identificam correlações entre o que se passa na Ucrânia e o que se passa em Gaza. Não se trata de haver um qualquer masterplan a integrar as duas situações. Mas trata-se de atentar na soma de efeitos que em conjunto provocam, na presença de vários atores (Rússia, China, Irão, Coreia do Norte) em ambos os cenários e na circunstância dos respetivos resultados terem o potencial de se combinarem e, porventura, de se somarem, nos planos político e estratégico. Pode bem acontecer que Putin ganhe em Gaza o que venha a não ganhar na Ucrânia.

Estas considerações já demonstram a grande complexidade da situação que a Europa enfrenta. Mas não a esgotam. 

Como não lhe juntar a circunstância de o Mediterrâneo se ter transformado, ao mesmo tempo, num muro e num cemitério? Coisas, uma e outra, inteiramente dissonantes com os valores e princípios da Europa. 

E como não acentuar a situação de instabilidade que se vive na África do Norte, no Sahel? Tenha-se presente o caos líbio. Atente-se no enorme número de organizações terroristas e jihadistas, de extração fundamentalmente ligada ao Daesh, que se estruturam e organizam no Sahel, preparando ações no Mundo Ocidental e na Europa em particular. E não se esqueça a ação, nos mesmos espaços e igualmente de estruturação e organização de vários grupos ativos na área do crime organizado, nomeadamente de pessoas, drogas e armas. E não se perca de vista, nem se desvalorize, a ajuda mútua que é praticada entre terroristas e pelos agentes do crime organizado.

Muito danosas do interesse ocidental e europeu são igualmente as persistentes campanhas de desinformação que russos e chineses levam a cabo na África do Norte e no Sahel virando as populações contra europeus e americanos, apoiando golpes de Estado liderados por fações que lhes são afetas, contribuindo para o desmantelamento de organizações multilaterais que até aqui eram sedes de cooperação, designadamente com a Europa.
E a tudo isto ainda há que juntar o processo delicado e dramático das vagas de imigrantes ilegais.

Agregando todas estas peças facilmente se tem noção do arco de violência e de instabilidade que cerca a Europa do presente. 

Facilmente vem ao espírito o discurso de Winston Churchill quando, em 1940, reconheceu perante os seus concidadãos que o Reino Unido enfrentava uma hora particularmente sombria e os exortou à coesão, a resistirem e a inverterem a ameaça.

A hora da Europa é hoje particularmente sombria. Mas um discurso análogo não se mostra muito provável. Por um lado, dificulta-o a crise de lideranças que a Europa vive. Por outro lado, inviabiliza-o a falta de unidade entre os europeus. 

Realmente o quadro intraeuropeu é muito delicado, com as clivagens e divisões políticas bem à vista. Com as derivas iliberais e autoritárias a medrarem. Inequívocas na Hungria, na Eslováquia e na Turquia. A espreitarem noutros países, neles se incluindo Portugal. Com eleições para o Parlamento Europeu à porta. De onde, por via da abstenção, se pode constatar um gritante distanciamento dos cidadãos europeus da hora e problemas que se vivem. E de onde pode emergir uma Comissão Europeia que, diferentemente da atual, se distancie da dimensão e das preocupações geopolíticas. E, a “coroar” tudo isto, com a Hungria de Orbán na presidência do Conselho Europeu no segundo semestre deste ano…

Também de Washington podem chegar muitas dificuldades. Mesmo pondo de lado as profundas divergências de perspetiva que hoje têm de ser reconhecidas como existindo na sociedade e no tecido político norte-americanos e cuja resultante está ainda para ser percebida, há coisas graves que se sentem desde já.

Por força das oposições entre democratas e republicanos é crescentemente mais difícil materializar o apoio à Ucrânia, além de que esse apoio tem agora de ser dividido entre a Ucrânia e Israel. Quem pode imaginar que ao Partido Republicano agrade um Biden vitorioso?

Mas, o pior pode mesmo vir a acontecer no pós-novembro se Trump for reeleito. A acontecer, essa funesta eventualidade trará no imediato um crescendo de dificuldades para a Ucrânia, com consequências que não se podem augurar como boas. Ao mesmo tempo que se fecharão as vias que poderiam forçar um entendimento entre palestinianos e israelitas. E, nesse quadro, é de prever que o Irão tudo faça para aceder ao patamar nuclear, com isso abrindo também um processo de potencial proliferação nuclear no Médio Oriente.

Há muitos antecedentes para fazer recear que o regresso de Trump faça soar o toque de finados na Aliança Atlântica e, com isso, no relacionamento transatlântico que garantiu décadas de Paz na Europa. Não espantam as celebrações que se antecipam para a Cimeira que em junho comemorará, em Washington, os muitos sucessos dos 75 anos da NATO e também o que poderiam ser as promissoras perspetivas de futuro que, em tese, se podem antever para a Aliança como garante e construtora da Paz. Mas não é certo que haja sólidos motivos para elas.

Uma Europa sem o artigo 5º do Tratado do Atlântico Norte será uma Europa muito diferente. 

Esse é o cenário sombrio que nesta hora obriga os europeus a pensarem maduramente na sua Segurança e Defesa. Superando diferenças. Abandonando ilusões de longa data.

Percebendo que enfrentam ameaças efetivas e muito graves, cuja resposta lhes compete. Agindo, nomeadamente no seio da União Europeia, com rapidez e determinação.

Não é muito difícil traçar uma via para uma melhor afirmação europeia. Mas seja ela qual for, antecipa-se que será tudo menos fácil e harmoniosa.

Há uma condição prévia que era bom que fosse interiorizada. Essa condição corresponde ao reconhecimento de que a Europa, a UE, reúne todas as condições para fazer o seu caminho: História, experiência, recursos e a constatação de que os europeus construíram até agora um modelo original - e que essa enriquecedora originalidade se pode continuar a afirmar no futuro.

Depois, que é precisa clareza quanto ao papel e ambição que a UE deseja cumprir e ter no Mundo, tendo como certo que não é nada previsível que os EUA venham a alterar o facto de orientarem para o Indo-Pacífico o foco das suas prioridades em matéria de Segurança e Defesa.

E será imperativo que as preocupações europeias sejam partilhadas sem reservas por todos os parceiros da UE. Que o Azerbaijão interesse a Portugal, como o Sahel importe à Finlândia.

Tal como será muito importante que, mesmo de modo informal, se identifiquem e construam fórmulas que permitam associar à Segurança e Defesa europeias, parceiros como o Reino Unido, a Noruega e a Turquia.

Preciso será também reconhecer que há muitas coisas erradas e insuficientes na Segurança e Defesa europeias. Desde a exiguidade militar ao desperdício em matéria de produção de armamento e equipamento. 

E que é indispensável que os Estados europeus invistam melhor e mais nas suas políticas públicas de Segurança e Defesa e que o possam fazer de modo concertado.

Assumidos estes requisitos, o caminho seguinte, sendo longo e não deixando de ser complexo, será no essencial técnico e, portanto, menos controverso.

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