Só os bons critérios fazem do voto coisa útil

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Asituação que o país atravessa torna as eleições presidenciais uma questão de especial relevância na vida nacional.

No debate sobre a escolha de quem vai assumir a responsabilidade da Presidência da República, a Constituição é o elemento político de referência. Não apenas pela responsabilidade que o Presidente da República assume ao fazer o juramento de “cumprir e fazer cumprir a constituição”. É também porque, perante a situação política, económica e social que o país vive, é no cumprimento do projecto de sociedade que a Constituição consagra que temos a referência mais substancial para políticas que nos permitam superar os problemas e dificuldades que vivemos.

Não é o Presidente da República que governa, é certo. Mas não é só do Governo e da acção governativa que se faz o sistema político e institucional português. As competências constitucionalmente atribuídas ao Presidente da República não permitem que dele se faça figura decorativa ou do seu papel próprio uma espécie de verbo de encher.

A escolha do Presidente da República não é, por isso, um ato sem consequência. E é importante que se pese a responsabilidade dessa escolha para que aquilo que se possa considerar inócuo não acabe por se transformar em algo iníquo.

Não é indiferente ter na Presidência da República alguém mais ou menos comprometido com a Constituição e o seu cumprimento, mais ou menos comprometido com uma concepção de democracia que considere integralmente as suas dimensões política, económica, social e cultural.

Não é indiferente ter na Presidência da República alguém mais ou menos comprometido com o povo e as suas necessidades, mais ou menos comprometido com os trabalhadores e a sua luta por melhores condições de trabalho e de vida.

Não é indiferente ter na Presidência da República alguém mais ou menos comprometido com o combate às desigualdades e às discriminações, mais ou menos empenhado na luta contra a injusta repartição da riqueza vista a partir da perspectiva de quem a cria e não de quem dela se apropria para fazer fortuna e acumular privilégio social.

Tudo isso pode revelar um grau de maior ou menor comprometimento com aquele projecto amplo de democracia que a Constituição da República consagra.

Talvez não seja de estranhar que, para grande parte dos candidatos (sobretudo à direita do espectro político mas não só), a Constituição não mereça referência sequer de passagem. Ou que a ela apenas se refiram como se de peçonha se tratasse. Afinal, essa Constituição da República continua a constituir um obstáculo a quem faz da desigualdade e da injustiça social fonte de fortuna e de poder e um estorvo a quem protagoniza esse tipo de projecto político.

O que seria estranho era que quem agora, enquanto candidato, desconsidera a Constituição fizesse dela depois, a partir da Presidência da República, uma referência da sua prática e do seu compromisso político.

Quem agora, no momento do voto, desvalorizar essa desconsideração pela Constituição, fazendo a opção por algum dos candidatos que a desprezam, não poderá depois, vendo frustradas as suas expectativas, mostrar-se surpreendido com tal consequência.

Não é nas estrelas que está escrito o destino das pessoas quando elas têm uma palavra a dizer sobre a forma como ele é construído. É nas opções que fazem quando participam nas escolhas que lhes cabem.

O momento da boa escolha para a Presidência da República é este. Não haverá arrependimentos futuros que corrijam escolhas que já hoje se sabe serem más.

Eurodeputado

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