Rússia -Ucrânia: podemos acreditar numa solução diplomática?
Já o disse muitas vezes e repito-o neste momento de grandes dificuldades para o povo da Ucrânia: tenho uma enorme admiração pelo Presidente Volodymyr Zelensky. É um político corajoso, combativo e profundamente estratégico. Não tenho dúvidas que a sua ambição fundamental é assegurar a soberania do seu país, num quadro democrático e respeitador dos princípios da boa governação. A visita de António Costa a Kyiv, no dia em que iniciou as funções de Presidente do Conselho Europeu, foi um excelente encorajamento para Zelensky, para além do seu enorme simbolismo.
Esse significado foi ainda maior por Costa se ter feito acompanhar por Kaja Kallas, antiga primeira-ministra da Estónia, a iniciar também nesse dia as suas funções de Alta Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, e pela eslovena Marta Kos, a Comissária responsável pelas questões do alargamento da UE. A mensagem da delegação era assim bastante completa: apoio político à adesão futura da Ucrânia e, entretanto, ajuda militar à sua legítima defesa.
É isso que deixa Vladimir Putin como um possesso. O líder russo não entende o conceito de soberania dos outros, quando se trata de Estados mais pequenos. Sobretudo, os que estiveram subordinados a Moscovo durante a ditadura soviética. Putin vê esses países como parte da suserania geopolítica russa. Não aceita liminarmente a respetiva liberdade soberana na cena internacional e olha para as diferenças étnicas como um traço de inferioridade racial desses povos. Na sua visão do mundo, que é alimentada por uma leitura imperialista da História, essas populações devem seguir os valores políticos, religiosos e intelectuais da ortodoxia russa e falar a língua de Moscovo. Foi mais ou menos isto que ele disse a 28 de novembro em Astana, no Cazaquistão, quando afirmou que a língua desse país é o idioma russo. Não esperava, todavia, a humilhação que iria sofrer de imediato, quando o Presidente do país se dirigiu a Putin e aos outros participantes na cimeira em língua cazaque.
Na realidade, as únicas línguas em que Putin é mestre são a repressão ditatorial, o uso da força militar e o engodo diplomático. Falar de negociações e esquecer estas habilidades linguísticas é perigosa inocência política. Nalguns casos, será simples oportunismo ou cobardia.
Foi isso que Zelensky deu a entender António Costa. Agradeceu sinceramente a promessa de integração, um dia, na União Europeia, mas frisou que a prioridade absoluta é a adesão à NATO. A agressão russa tem aumentado de modo muito grave nas últimas semanas. O pedido feito a Costa foi que levasse a Bruxelas, embora o assunto seja do âmbito da NATO, a necessidade premente de resolver sem demoras a questão da defesa da Ucrânia. Zelensky admitiu mesmo que a adesão à NATO poderia ocorrer nas circunstâncias atuais, quando a Rússia ocupa ilegalmente a Crimeia e cerca de 100 000 km quadrados de território que a lei internacional diz claramente não lhe pertencer. A recuperação dessas províncias ficaria pendente de discussões diplomáticas com o Kremlin, algo que poderá demorar décadas sem fim. Seria mais um conflito congelado, como existem vários em algumas partes do mundo, da Península da Coreia a Chipre ou ao antigo Sahara Espanhol.
Putin não aceitará um plano desse género. Não quer a NATO na Ucrânia, nem mesmo num canto isolado do país, enfiada que fosse num qualquer buraco. Não aceita Zelensky e a atual administração ucraniana, por considerar que esses extraordinários líderes expuseram a fraqueza e os pés de barro do regime putinista– a intenção clara do Kremlin era conquistar Kyiv em três dias e por isso a agressão inicial tomou a forma de uma coluna infindável de veículos militares russos a caminho da capital do Ucrânia. Queriam instalar fantoches no poder e acabaram recuando, escorraçados e com o rabo entre as pernas. Transformaram Kyiv numa cidade heroica e deixaram quantidades impressionantes de perdas e de evidências de crimes contra humanidade. Em pouco tempo, as forças armadas russas passaram a ter uma imagem tão terrível quão patética. Com Putin, nunca haverá uma mesa diplomática com um assento russo e outro ucraniano. A sua formatação soviética e de polícia político não deixa espaço na sua mente para uma Ucrânia fora do controlo do Kremlin.
Nesta crise, Putin apenas se vê de igual para igual com o próximo Presidente dos EUA. Essa é a grande questão. O novo inquilino da Casa Branca partilha da mesma arrogância. A agressão russa de fevereiro de 2022 não foi contra a NATO. Tampouco o foi contra os EUA. Visou e continua a visar a destruição da Ucrânia. É esta quem tem de estar, de um modo ou de outro, numa das cabeceiras da mesa das negociações.