O Governo lançou, sem comunicação que o fizesse prever, e sem demonstrar necessidade ou imperativo categórico, uma proposta de revisão do código do trabalho. Saíram, a conta-gotas, alguns aspetos polémicos para serem objeto de atenção pública, cobertura noticiosa e opiniões várias. Da nossa parte, optámos por um silêncio prudente, por não conhecermos o documento nem o putativo racional que impunha a imperatividade da atualização do acervo de leis laborais. Alguns dias depois, o tal documento terá sido apresentado aos "parceiros sociais". Com muitas aspas, pois a composição de tais parceiros cheira a bafio dos anos 70, ignorando os sindicatos independentes (a maioria, neste país), as profissões mais qualificadas ou os sectores empresariais mais dinâmicos da Economia. Já sabemos qual vai ser o resultado desta revisão do código do trabalho. Que Deus nos livre de sermos tomados por tolos: os ‘patrões’ dos sectores semi-esclavagistas ou assentes em mão de obra indostânica, vão aprovar (não sem antes terem dito que precisamos de uma revisão mais profunda); os sindicalistas dos amanhãs que cantam serão do contra e com isso promoverão manifestações e palavras de ordem, sem procurarem moldar o debate; os sindicalistas da situação e quem sem a malga do Orçamento do Estado pouco valeriam, fingirão ser contra, mas vão aprovar clamando vitória por o Governo deixar cair aquilo que ostensivamente plantou para ser objeto de negociação. Mas vejamos aquilo que os cidadãos já conhecem. Vai ser mais difícil provar a presunção de laboralidade nas plataformas de entrega de comida e de engajamento de mão de obra braçal, com isso continuando a dar estímulos ao crescimento de empregos mal pagos, preenchidos por vagas de imigrantes sul-americanos e indostânicos. Afinal, Dr. Luís Montenegro, apesar de toda a retórica, vamos ter mais imigrantes… O fim do período de nojo na subcontratação (outsourcing) para postos de trabalho permanentes alvo de despedimento coletivo, vai agravar aquilo que bem sabemos: serão sumariamente despedidos portugueses acima dos 40 anos de idade, e substituídos, sem apelo nem agravo, por uma legião sem convenções coletivas e remunerações de metade. Num mundo dominado por fundos abutre (private equities), que controlam uma parte significativa da nossa economia, isso quer dizer: enriquecimento de acionistas estrangeiros, empobrecimento dos trabalhadores e da classe média. Isto dito, existem ideias na proposta da ministra que merecem uma discussão mais profunda, e que a Prof. Maria Palma Ramalho tornou públicos: o tema do teletrabalho, os períodos de aleitamento (mas também os tempos de apoio à família), ou a irrenunciabilidade dos créditos laborais. O verdadeiro objetivo da revisão do código do trabalho deverá ser o de promover o trabalho qualificado e remunerações dignas. E estimular e premiar as empresas e os sectores que o fazem. É, ou deveria ser, o alfa e o ómega de toda e qualquer revisão da legislação laboral. O verdadeiro teste do algodão. E esta revisão, tal como está, nada faz no sentido desejado. Presidente do SNQTB - Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários