Na semana passada, a 3 e 4 de Outubro, as eleições na República Checa deram a vitória a um partido que a comunicação social sistémica já tinha arrumado na inamovível prateleira da “extrema-direita”. Acontece, porém, que, à direita do partido de extrema-direita que ganhou as eleições, se perfilam agora, para efeitos de coligação, dois partidos de uma extrema-direita ainda mais extrema, no que promete ser um verdadeiro quebra-cabeças taxonómico para as redacções dos jornais e das televisões. Será que, perante o alargamento do leque à direita para acomodar uma extrema-extrema-direita, estaremos a assistir ao advento de uma “extrema-direita moderada”?Com cerca de 35% do voto popular, o partido ANO, Partido dos Cidadãos Descontentes, ganhou à coligação centrista Spolu (Juntos), actualmente no poder. Em 2021, o ANO tinha tido 27,1% e o Spolu, 27,8%.O ANO foi fundado em 2012 pelo milionário checo Andrej Babis como “um partido de direita com sensibilidade social”; fê-lo a partir de núcleos de pequenos empresários que se queixavam da corrupção do sistema. Inicialmente, o ANO integrou-se na Aliança dos Liberais e Democratas pela Europa, mas em 2024, juntamente com Victor Orbán, da Hungria, e Herbert Kickl, da Áustria, Babis criou os Patriotas pela Europa. À semelhança de outros partidos da direita popular – nacionalistas, desconfiados de Bruxelas, conservadores nos valores familiares e realistas em política externa – o ANO cresceu rapidamente: de 18,56% em 2013, com 47 lugares, a 29,64% em 2017, com 78 lugares, governando então em coligação, com Babis como primeiro-ministro.Desta vez, o mote da campanha do ANO foi “Os Checos em primeiro lugar” – concentração nos problemas internos, energia barata, limites à ajuda à Ucrânia, baixa de impostos, subida de pensões, soberania nacional versus imposições de Bruxelas em matéria de imigração e de “Agenda Verde”, isso tudo. A vitória foi expressiva, mas, para governar, Babis vai precisar de se coligar; em princípio, com os partidos à sua direita: são eles o Partido da Liberdade e Democracia Directa (9%) e o Partido dos Motoristas (7%). O primeiro é um partido nacionalista fundado em 2013, eurocéptico, crítico da imigração descontrolada, sobretudo muçulmana, e com reservas quanto ao belicismo anti-russo. O segundo, o Partido dos Motoristas, fundado por Filip Turek, corredor de automóveis, autor, comentador televisivo, crítico do “Green Deal” e da proibição do fabrico de automóveis a gasolina e deputado europeu em 2024.A vitória do ANO – que, dadas as forças em presença, terá de passar a considerar-se a vitória da extrema-direita centrista ou moderada – foi muito bem recebida pela… velha extrema-direita –Victor Orbán, Marine Le Pen, Matteo Salvini e outros líderes populares e nacional-conservadores, como o holandês Geert Wilders e o austríaco Harald Vilimsky.No parlamento de Praga, que tem 200 lugares, o ANO, com 80 deputados, o SPD, com 15, e Os Motoristas, com 13, fazem maioria. Mas até que as negociações entre a “extrema-direita”, a “extremíssima-direita” e a “ultra-extrema-direita” para formar governo se deem por concluídas só há uma certeza: está instalada a confusão na modalidade jornalística de arremesso de qualificativos. Saudosos tempos em que os fascistas, os nazis, os xenófobos, os racistas e os homofóbicos da extrema-direita não saíam da caixa nem da prateleira. Politólogo e escritorO autor escreve de acordo com a antiga ortografia