1 Neste tempo do barulho, da corrida e do imediatismo e do culto do ter, do prazer, do parecer e aparecer, não me parece que as religiosas de clausura estejam muito de moda..O jornalista José Lorenzo, como dá notícia em Religión Digital, entrou em contacto com as religiosas trinitárias de Suesa na Cantábria e a superiora reconheceu isso mesmo: "Não estamos na moda, mas existimos." Mais: "Não somos seres etéreos, anacrónicos ou surdos. Procuramos dias específicos para recordar que cada instante é uma celebração onde a vida de Deus transforma as nossas. A vida contemplativa é viver cada instante na Presença. Cada instante é único, é dom e desafio." Constatam: "Há uma sede imensa de Deus na Humanidade, mas precisamos de testemunhos vivos da força do amor.".E a provar que não estão inactivas: que pedem ao Sínodo que terá lugar em Roma em 2023? "Que nos deixem pensar." E realmente pensam. Como é sabido, o Papa Francisco quer deixar como marca do seu pontificado a sinodalidade, isto é, que todos os membros da Igreja caminhem juntos e todos se sintam autenticamente representados na tomada de decisões. A prova está em que, desta vez, a preparação do Sínodo começa na base, nas Dioceses, de tal modo que todos possam exprimir-se, passando ao segundo momento, que é o momento continental, e só no final, com o contributo de todos, se realizará o Sínodo em Roma..Encontrei de tal modo estimulante e rico o contributo destas religiosas na primeira fase que o publico na íntegra. Assim:.1.1. "Defendemos uma Igreja participativa e corresponsável. As pessoas participam e são responsáveis quando sentem a Igreja como sua casa. Estamos numa Igreja piramidal e hierárquica, onde as normas vêm de cima. Isto é reforçado pela falta de formação teológica e espiritual, fomentada pelo difícil acesso do laicado, incluídas as religiosas, às faculdades de teologia. É necessária e urgente uma formação que permita a reflexão sobre questões de moral, bioética, ecologia, pacifismo, relações interculturais.".1.2. "Reclamamos uma Igreja que se compreenda a si mesma a partir da simplicidade, da vulnerabilidade, do encontro, da busca do consenso e uma participação de forma natural.".1.3. "Preocupa-nos muito a questão da mulher na Igreja. A sua participação em igualdade de condições na Igreja católica é uma questão estrutural e não uma reforma secundaria. Acolhemos com alegria as propostas do Papa na Constituição Apostólica Praedicate Evangelium, embora consideremos que é preciso dar passos mais transcendentais "até que a igualdade se torne hábito".".1.4. "Consideramos que a Igreja precisa de um diálogo mais aberto com a sociedade, a partir de uma postura de verdadeira escuta, acolhendo a realidade e a situação das pessoas sem atitude moralizante. Que não se demonize a sexualidade nem se considere que é o centro de todo o pecado e, menos ainda, que o corpo da mulher é provocação.".1.5. "Pensamos que a Igreja deve ser testemunho na sociedade exercendo a liderança da escuta, do acolhimento, da compreensão. A escuta é um valor da tradição cristã que não estamos a praticar nem a propor à sociedade, quando temos a experiência e os meios para levá-la a cabo. É necessário gerar espaços acessíveis para que pessoas de diferentes âmbitos e formas de vida tenham a possibilidade de expressar-se, sendo agentes activos. Os meios de comunicação digitais e as redes sociais facilitam que toda a gente possa exprimir-se, e na Igreja tem-se em pouca conta este âmbito.".1.6. "Pedimos ao Dicastério para a Vida Consagrada que deixe as religiosas pensar, que as deixe actuar no seu caminho vocacional próprio, que não se lhes imponha critérios a partir de cima, uma vez que desconhecem uma parte importante da vida monástica feminina.".1.7. "Por fim, consideramos que é urgente que a Igreja se ponha em marcha no cuidado da Criação. Na Igreja deveríamos estar à cabeça no consumo de energias renováveis, o consumo responsável, etc. Parece-nos um grande pecado da nossa época não fazer todo o possível para evitar que a Criação desapareça.".O jornalista perguntou como se sentem em relação ao pontificado do Papa Francisco, recebendo como resposta: "Sentimos que é um sopro de liberdade na Igreja, que procura viver na simplicidade do Evangelho e na escuta profunda de toda a sociedade. Apesar disso, sonhamos com que se dêem passos na Igreja, que haja ainda mais audácia.".2 Quando falam em mais audácia, não estão certamente a pensar em pôr definitivamente fim à tragédia da pedofilia, à violência sexualizada na Igreja e aos sucessivos escândalos no Banco do Vaticano. De facto, para isso, deverá bastar a decência e, consequentemente, a transparência..Com certeza, estão a pensar na actualização da linguagem, na renovação da liturgia incompreensível. Sobretudo: no fim do celibato obrigatório e no acesso das mulheres a todos os ministérios da Igreja, em igualdade e sem discriminação....Reclamam que as mulheres sejam sacerdotisas? Penso bem que não. De facto, como mostrei no meu mais recente livro, O Mundo e a Igreja. Que futuro?, a causa fundamental do cancro do clericalismo na Igreja, reside essencialmente na ordenação sacerdotal. Nem Jesus nem os Apóstolos ordenaram sacerdotes, e uma coisa são ministérios ordenados e outra, qualitativamente diferente, a ordenação sacerdotal - o Novo Testamento evitou a palavra hiereus, sacerdote, aplicada apenas a Jesus e ao povo cristão. Voltarei ao tema..Padre e professor de Filosofia. Escreve de acordo com a antiga ortografia