Reforma da Justiça é urgente
A Justiça deve ser eficiente e célere na resolução dos problemas das pessoas e das empresas. A Justiça deve também ser certa e acessível a todos. A confiança na Justiça depende de se saber aquilo com que se pode contar.
Acresce que a Justiça deve igualmente saber comunicar e, para isso, tem de ser clara. Não se trata apenas de dispor de um gabinete de comunicação, ou de serem emitidos comunicados ou divulgadas informações nos meios de comunicação social. Trata-se de ter uma Justiça com uma linguagem simples, direta, objetiva e sem complexidades de discurso que a tornem incompreensível. Só assim se garante que os seus meios de ação e as suas decisões sejam compreendidos por todos a quem se destinam, quer versados ou não na matéria, permitindo a exata e completa perceção do seu conteúdo e alcance por parte da coletividade.
Em Portugal nem sempre constatamos esta clareza, nem um rigor transversal nas diferentes áreas de Justiça.
Tenho um amigo advogado que costuma dizer, a propósito do mediatismo a que tantas vezes assistimos na realidade da Justiça criminal, que as Justiças cível e administrativa, por não atraírem tantos holofotes, são aquelas que mais verdadeiramente lhe parecem ser cegas e independentes. Com efeito, é com isenção, discrição e transparência que a Justiça consegue estar colocada ao serviço daqueles a quem se destina, suportada em fundadas convicções extraídas de factos efetivamente demonstrados.
No entanto, concordando que possamos encontrar estas qualidades na administração das Justiças cível e administrativa, a verdade é que estas dimensões apresentam também uma escassez de meios que redunda na excessiva demora, em particular nos tribunais administrativos, dos seus processos. Estes não poucas vezes levam mais de uma década a ser resolvidos, falhando na resposta atempada àquelas que são as necessidades coletivas de uma sociedade democrática como a nossa, que precisa de uma Justiça que funcione e seja aplicada a tempo e horas.
Quanto à Justiça criminal, creio que é aquela que mais dúvidas tem criado na sociedade portuguesa acerca do funcionamento da Justiça no seu todo, graças ao espetáculo mediático que muitas vezes a envolve, diariamente refletido nos meios de comunicação social, e que, sobretudo em determinados setores, se tem alimentado de constantes e gritantes violações do segredo de justiça. A estas violações acrescem interesses corporativos de alguns operadores do sistema a quem convém a exposição pública de matérias que deveriam ficar resguardadas e protegidas. Esta situação leva a que se forme uma imagem oposta àquela que deveria transmitir a Justiça portuguesa, a de ser cega, independente e eficaz.
Para que a justiça funcione melhor são precisos mais meios. É preciso dar as condições suficientes para que a Justiça cumpra o seu papel na democracia.
É evidente que há um problema com a Justiça em Portugal. A resposta à questão sobre como pode ser resolvido o problema deve ser dada na Assembleia da República, pois é aí que estão presentes os partidos políticos e representados os cidadãos. Deve ser a Assembleia da República a tomar as medidas necessárias para termos um país mais próspero com uma Justiça que dê a resposta necessária e adequada. Para isso, é necessário que exista um diálogo constante entre todos os intervenientes.
Sem prejuízo da iniciativa e da centralidade da reforma da Justiça deverem pertencer à Assembleia da República, dever-se-á contar, igualmente, com a participação do Presidente da República e, bem assim, do Governo.
A reforma da Justiça é urgente e deve ser ampla o suficiente para abranger as suas múltiplas dimensões. Não deve ser focada neste ou naquele interveniente, nem numa ou noutra área pelo simples facto de estar mais ou menos presente na ordem do dia. O Ministério Público, que tem sido tão falado nos últimos tempos, faz parte do Sistema de Justiça e, nesse contexto, é parte essencial da reforma. Mas não pode, nem deve, ser o único. Há, certamente, espaço para a introdução de muitas melhorias em diversas áreas e no papel de todos os seus atores.
A reforma da Justiça tem também de obter o consenso necessário para pôr termo, de uma vez por todas e por longas décadas, à crónica falta de meios do setor. Além do prejuízo que causa aos seus agentes - os quais manifestamente não têm mãos a medir face ao número de pendências nos tribunais portugueses -, esta realidade tem um efeito imediato na confiança dos cidadãos e das empresas na Justiça portuguesa, que tanto prejudica a imagem externa do país. Não é admissível, nos 50 anos do 25 de Abril, que um investidor estrangeiro ainda pondere a ineficiência da nossa Justiça como um dos riscos de investimento em Portugal.
É, por isso, muito importante a Justiça ter os meios e as condições necessárias para cumprir a sua missão e deixar de ser um assunto na ordem do dia, normalmente por motivos menos positivos, seja pela morosidade dos processos, seja pelos abusos ou outras disfunções.
Foi por achar que devemos promover uma reforma legislativa ampla, consensual e urgente em matéria de Justiça, capaz de responder aos desafios que esta enfrenta, que subscrevi o Manifesto dos 50.