Reconhecer a Palestina como Estado exige consequências

Publicado a

Nos últimos meses, o reconhecimento do Estado da Palestina ganhou nova centralidade no debate internacional. Não se trata apenas de um gesto diplomático ou simbólico, mas de um imperativo ético e político. Reconhecer a Palestina como Estado soberano é reconhecer um povo que há décadas vive sob ocupação colonial e violência sistemática, impossibilitado de definir democraticamente uma estratégia própria de desenvolvimento. É afirmar que o direito à autodeterminação e à dignidade não pode ser eternamente negado.

Tive a oportunidade de refletir sobre esta questão em conjunto com outras pessoas de opiniões diversas na 4.ª edição do curso / seminário de especialização Migrações e Desafios de Integração, promovido pelo ISCTE-IPPS, pela UBI e Câmara Municipal do Fundão. Foi nesse contexto que surgiu uma pergunta simples, mas de uma violência desconcertante: “Por que razão as pessoas da Faixa de Gaza não podem ser refugiadas?”. A resposta é dura e reveladora: mesmo aquelas que conseguissem sair do inferno de Gaza, para puderem ser legalmente consideradas refugiadas à luz do direito internacional a Palestina teria de ser reconhecida como Estado.

Mas os palestinianos não pedem para ser refugiados - querem viver em paz no seu país, reconstruí-lo e garantir um futuro às suas gerações.

É neste ponto que se torna inaceitável a hesitação de parte da comunidade internacional. O que hoje assistimos em Gaza vai muito além da retaliação ao ataque terrorista de 7 de outubro de 2024 (que merece total condenação), e da justificação da eliminação do Hamas. Bombardeamentos constantes, milhares de mortos, impedimentos à ajuda humanitária, assassinato de jornalistas, detenções arbitrárias e o bloqueio a um território inteiro configuram crimes contra a humanidade e um verdadeiro genocídio de acordo com o relatório da Comissão Internacional de Inquérito Independente da ONU sobre os Territórios Palestinos Ocupados. Esta é a estratégia do governo sionista de Israel – que não se confunde com o povo judaico – para que a solução efetiva dos dois estados não seja uma realidade. Fechar os olhos a estas práticas ou reconhecê-las, mas nada fazer é ser cúmplice. O reconhecimento do Estado da Palestina não resolverá de imediato e por si só o conflito, nem as pretensões coloniais e repressivas de Israel, mas representa um passo fundamental: obriga Israel a ser confrontado no plano diplomático, abre caminho a negociações mais justas e afirma que a paz só pode nascer da procura de igualdade na existência de dois Estados soberanos. Além disso, garante à Palestina o acesso a organismos internacionais - como a ONU, a UNESCO e o Tribunal Penal Internacional - onde poderá exercer direitos e denunciar violações.

Para o povo palestiniano, representa o reconhecimento da sua identidade nacional, da sua história e da sua luta pela autodeterminação. Para a comunidade internacional é uma responsabilidade para que se quebre a lógica da impunidade do opressor e invasor e para que as palavras e proclamações se transformem em ações concretas como sanções contra o governo de Netanyahu ou a renúncia do acordo de associação entre Bruxelas e Telavive. O reconhecimento do Estado da Palestina não exime quem o fez de ser consequente com essa declaração.

Vereadora independente, Cidadãos Por Lisboa, na CML

Diário de Notícias
www.dn.pt