Reagrupamento Familiar: Aqui vamos nós outra vez 

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Na sequência do chumbo do Tribunal Constitucional, foi agora aprovada uma nova versão de alteração à lei dos estrangeiros, que volta a insistir na restrição do reagrupamento familiar.  

A meio deste ano, Portugal despertou para a realidade – que os demais países da UE tinham descoberto na década de 70 – de que, quando aceitamos imigrantes, aceitamos as suas famílias. Assim, uma política de imigração que permite a entrada de mais de um milhão de imigrantes, em bom rigor está a permitir a entrada de três milhões ou mais. Se o primeiro milhão não tem um direito fundamental a entrar no país (não há um direito à imigração), depois de entrar, passa a ter, sim, um direito a que a família se lhe venha juntar (há um direito fundamental ao reagrupamento familiar). Ora, tentar corrigir excessos relativos ao primeiro momento com restrições ao reagrupamento familiar é arriscado - precisamente porque, aí, já há direitos constitucionais a ser respeitados.  

As alterações agora aprovadas para “corrigir” as inconstitucionalidades continuam a suscitar dúvidas, já que permanece o mesmo objetivo de limitar ao máximo os reagrupamentos. É caso para dizer que, de facto, o que nasce torto é difícil de endireitar. 

Continua a prever-se como regra geral que apenas ao fim de dois anos (ou, em alguns casos, 15 meses), pode o imigrante pedir que a família se lhe venha juntar. Respeita-se o Acórdão do TC na medida em que agora não se permite a separação entre crianças e progenitores: pode pedir-se o reagrupamento imediato do casal quando há crianças. Mas os casais sem filhos têm de aguardar antes de serem reagrupados. Esta solução continua a levantar algumas dúvidas, pois a proteção da família pela nossa Constituição também abrange a família conjugal. E pena é que, nas negociações de última hora, se tenha voltado a prever um prazo que me parece demasiado longo. Uma complicação desnecessária e apenas compreensível se perspetivada no contexto das cedências políticas de bastidores. 

Outra solução duvidosa é a de que os apoios sociais não podem entrar nas contas dos meios de subsistência, algo que vai contra alguma da jurisprudência do Tribunal de Justiça da UE. Outro risco de mais uma viagem ao Ratton. 

Por fim, mantém-se uma norma que visa responder à preocupação com o excesso de ações judiciais relativas aos atrasos na AIMA: determina-se que o juiz deve ponderar o excesso de volume de trabalho nesta autoridade. Tenho muitas dúvidas sobre este ponto, porque basicamente diz que o juiz se deve conformar com a falta de meios e pedir aos cidadãos que “tenham paciência”. Ou bem que o cidadão tem direito à proteção dos seus direitos ou não tem. Isso não lhe pode ser retirado por inexistirem meios administrativos, nem pode um tribunal dar como improcedente uma ação por esse motivo, sob pena de violar o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva. Esta norma é basicamente o legislador a exigir ao tribunal que encubra a incapacidade da administração. 

Trata-se, enfim, de tentar salvar o mal já há muito feito, com emendas, remendos e negociações políticas de última hora. Uma manta de retalhos que pode vir a merecer nova decisão do TC ou uma lei que não satisfaz ninguém.  

Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; Investigadora do Lisbon Public Law

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