Queremos pensar ou queremos obedecer?
"’Dia histórico para os professores’. FNE e Governo chegam a acordo para recuperação do tempo de serviço". Título do DN sobre o acordo entre sindicatos e Ministério da Educação
O Ministério da Educação chegou a acordo com a maioria dos sindicatos para um plano de recuperação do tempo do serviço congelado aos professores, durante o tempo da troika, que prevê a devolução integral ao longo de quatro anos. São boas notícias: os professores veem as suas reivindicações legítimas resolvidas; o Ministério da Educação mostra que o Governo consegue dialogar e, apesar da sua frágil maioria, chegar a entendimentos; e a AD cumpre uma promessa eleitoral. O Governo respira um pouco melhor. A democracia ganha com este acordo.
E o país? Ganhou ou perdeu uma boa oportunidade para fazer aquilo que é urgente fazer?
A educação é o futuro. A educação que estamos agora a dar é a sociedade que vamos ter e a economia que vamos colher. Para quem quer desenvolver o país, nada é mais importante que a educação. António Guterres foi eleito primeiro-ministro com a ideia de que, depois das autoestradas de Cavaco Silva, deveríamos apostar na educação. E o orçamento do ministério aumentou significativamente numa primeira fase em termos nominais, e depois voltou a crescer através da diminuição do número dos alunos nas escolas, fruto da redução da taxa de natalidade. Foram conseguidos alguns bons resultados: maior cobertura do pré-escolar, diminuição do abandono escolar e sobretudo maior acesso ao ensino superior. Mas ficou claro que não basta deitar dinheiro sobre um problema para o resolver. Apesar dos muitos bons exemplos que há nas nossas escolas, a educação é o maior entrave ao desenvolvimento de Portugal.
Infelizmente o debate público sobre educação está quase sempre centrado nas reivindicações dos sindicatos. Com a conivência de sucessivos governos desinspirados, fala-se muito dos professores e pouco dos alunos. Fala-se muito do ensino e pouco das aprendizagens. E quando a espaços se discute pedagogia, a dúvida é saber se deveria haver 2 ou 3 horas de francês por semana!
O debate que deveríamos estar a fazer é sobre o melhor sistema de ensino que permita preparar uma sociedade mais realizada e mais orgulhosa de si mesma, para sermos economicamente europeus de pleno direito, em vez de sermos demasiadas vezes mendicantes chico-espertianos.
O que andámos para aqui chegar?
Os precursores da escola em Portugal foram os Jesuítas, que usavam a escolástica como método de ensino. No século XVII a arte de decorar fazia algum sentido porque havia pouca circulação de informação. Quem retinha informação sabia mais que os outros. Pensar também não era importante, quando se queria obediência (sobretudo não questionar Deus), pelo que o modelo funcionava. No século XIX a Revolução Industrial pedia que os camponeses fossem transformados em operários e para isso criou-se o ensino “primário” universal. Mais uma vez o objetivo não era pensar, apenas aprender o suficiente para lidar com as máquinas. Para um regime que “queria ser orgulhosamente só”, o modelo do pensamento acrítico também serviu bem ao Estado Novo. Em 1974 a democracia imberbe estava demasiado chocada com as baixas taxas de alfabetização, que não teve força e coragem para mais.
Apesar de haver em Portugal algumas boas referências pedagógicas, como a afamada Escola da Ponte, o sistema de ensino da Revolução Industrial manteve-se mais ou menos intocável: o professor vê o aluno como um jarro onde vai depositar o seu imaculado conhecimento. Só que com a revolução digital tudo muda. Ao contrário da escolástica, em que o problema era a falta de informação, agora o problema é o excesso de informação. O desafio é saber o que fazer com tanta informação. Pior: a informação está sempre a mudar. O que um professor hoje ensina, corre o sério risco de amanhã estar desatualizado. Pior ainda: o mundo está sempre a mudar. E cada vez com mais intensidade.
O que precisamos?
Perante a nova realidade, precisamos de novos objetivos e novas ferramentas. Agora a educação tem de nos preparar para a mudança permanente. Para isso deve definir como objetivo desenvolver a autonomia dos alunos. E esta é a grande mudança: para uma economia de salários elevados, não podemos passar o tempo a obedecer, a gerir a rotina; é preciso pensar e sobretudo pensar diferente (inovação) para ganharmos vantagem competitiva. Na sociedade, temos de deixar a cultura dos pais que querem os filhos protegidos debaixo das nossas asas, para sermos os pais que querem que os filhos voem pelas suas asas. Numa nova escola: a pessoa é mais importante que o futuro profissional; as competências são mais importantes que as informações; aprender a aprender é mais importante do que ensinar; gerir projetos é mais importante do que marrar para fazer testes de avaliação de conhecimentos; e sobretudo as pessoas devem aprender a lidar com os outros, para aprenderem a lidar consigo mesmas.
Apenas um exemplo: o português é uma disciplina (este termo diz tanto…) estruturante do ensino nacional. Todos concordam. É importante, mas não chega. A competência que todos temos de desenvolver é a comunicação, e ler e escrever em português é apenas uma pequena parte. Mais importante para a construção de uma personalidade autónoma é desenvolver a capacidade de saber ouvir e falar em público. Mas também: comunicação não verbal, voz pública e privada, inglês, expressão plástica, etc.
Para esta tarefa hercúlea, a escola não chega: é preciso a participação de toda a sociedade. É muito fácil deixar os filhos no portão da escola e exigir que os professores resolvam tudo. Temos esse defeito de pensar que a responsabilidade é sempre dos outros, e que nós não temos de fazer o esforço para melhorar. Num país em verdadeiro desenvolvimento somos todos educadores, em todo o lado, a toda a hora. A melhor forma de governar é educar. A melhor forma de gerir é criar uma cultura de empresa (educar). A melhor forma de treinar uma equipa de futebol é criar um espírito de equipa (educar). E alimentar um debate público construtivo é educar.
Precisamos de verdadeiras estratégias de desenvolvimento que sirvam para a nossa realidade e que não sejam copy-paste de uma tese francesa, inglesa ou norte-americana. Precisamos de pensar pela nossa cabeça (é isso o desenvolvimento). Precisamos de governação que pense o futuro. Precisamos de perceber que governar e educar não é dar tudo o que nos pedem, mas é dotar as pessoas de recursos que as tornem mais capazes. Precisamos de governar com as pessoas, e não contra as pessoas.
Infelizmente estamos muito longe de termos uma visão de futuro. A nossa academia não tem ambição, os media não estão interessados em debates complexos e os governos ocupam-se com a gestão do dia-a-dia. Temos primeiros-ministros a fazerem de ministros, e ministros a fazerem de secretários de Estado.
Para sairmos do marasmo, precisamos de criatividade governativa. Precisamos de ter a visão e, com os recursos existentes, encontrarmos as soluções que melhor nos servem. Precisamos dos professores e por isso é que este acordo com os sindicatos foi uma oportunidade perdida para atacar a sério o grave problema da educação.
Lamento dizer, mas por este caminho vamos ter mais do mesmo. Haja sol, pão e vinho.