Quem vai comprar 9 biliões de obrigações do Tesouro americanas?
Durante décadas, os governos federais dos EUA habituaram-se a viver com défices orçamentais recorrentes, aumentando a sua dívida pública de 7 biliões de dólares (Bi$) em 2000 para 36 Bi$ em 2024.
Esse aumento ocorreu com presidentes republicanos e democratas e atingiu 117% do PIB em 2024. Em 2025, só os encargos com a dívida pública federal deverão rondar 1 Bi$. A dívida pública federal aumenta em 1 Bi$ a cada 100 dias.
Se o rumo não for invertido, o Congressional Budget Office (CBO) prevê que, em 2050, a dívida pública “detida pelo público” atinja 200% do PIB dos EUA, com as despesas líquidas com juros a mais do que quadruplicarem em percentagem do PIB no período de 2022-2052 (atingindo 7,2% do PIB em 2052), com os défices primários (que excluem os custos líquidos com juros) a crescerem na maioria dos anos e atingirem 3,9% do PIB em 2052 (excedendo a média de 50 anos de 1,5% do PIB).
Durante a campanha eleitoral e no início do seu atual mandato, Trump comprometeu-se a equilibrar o orçamento federal “no futuro próximo” (em 2016 havia prometido fazê-lo em 8 anos). Essa foi uma das razões para a criação do D.O.G.E., que pouca despesa reduziu. Porém, num exercício clássico de doublespeak orwelliano, apesar da retórica do “equilíbrio orçamental a prazo” – agora assente em miríficas receitas de tarifas – Trump adota medidas que vão aumentar a dívida pública; o melhor exemplo é a recém-aprovada “Big Beautiful Bill” que, de acordo com previsões do CBO, vai aumentar a dívida pública em 2,4~3 Bi$ nos próximos dez anos.
Entretanto, em 2025, os EUA terão que proceder ao pagamento de 7 Bi$ – 4,9 Bi$ em títulos do Tesouro de longo prazo, 2,1 Bi$ de curto prazo – cuja maturidade se vence este ano, acrescidos de c. 2 Bi$ emitidos para cobrir o défice orçamental de 2025.
O rendimento dos títulos do Tesouro a 10 anos subiu de 1,7% no início de 2022 para 4,35% em julho de 2025, o que significa que a dívida a emitir este ano terá custos bem mais elevados.
Curiosamente, apesar das taxas de juro das obrigações do Tesouro americanas terem aumentado, o valor do dólar em relação a outras divisas tem vindo a cair (>10% desde o início do ano). Uma boa parte dessa queda deve-se a relevantes vendas de obrigações do Tesouro americanas pelo Japão (no valor de 72 mil milhões de dólares (mM$)) e pela China (50 mM$), como retaliação pelas elevadas tarifas impostas pelo governo americano.
Neste pano histórico de fundo, com os títulos do Tesouro dos EUA a deixarem de ser vistos como refúgio seguro, e a Administração Trump a continuar a desrespeitar de forma ignominiosa a Europa, a China e o Japão, é de esperar que os governos destes blocos económicos tomem tranches relevantes de novas emissões de obrigações do Tesouro americanas, sobretudo num contexto de progressiva desvalorização do dólar?