Que venha o Tiririca
Agora não é só o Brasil: o mundo também já está em contagem decrescente para outubro de 2022, mês em que o país vai substituir Bolsonaro, seja por Lula da Silva, à frente no voto popular segundo as sondagens, seja por um candidato da "terceira via", maciçamente apoiado pelos media, seja pelo palhaço Tiririca, porque pior do que está não fica.
Na Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque, a comitiva brasileira liderada pelo presidente e composta de uns paus-mandados, cada um altamente incompetente na sua área de especialização, fez o papel do chato que ninguém quer por perto, aquele de quem se cochicha nas costas que "é um tipo insuportável" ou "coitado, é biruta".
A um ritmo insano, Bolsonaro e a sua bizarra comitiva foram envergonhando um país cuja condução hábil da diplomacia e perfeito exercício do soft power no passado lhe concederam a suprema honra de abrir as reuniões, ou seja, de discursar antes até do presidente dos EUA, o anfitrião da reunião.
Bill de Blasio, prefeito nova-iorquino, começou por dizer que Bolsonaro não era bem-vindo e acabou a marcar o presidente brasileiro, para humilhação deste, numa publicação oficial com a divulgação dos postos de vacinação da cidade. Bolsonaro, recorde-se, não se vacinou - ou diz que não se vacinou porque, como decidiu impor um suspeito sigilo de cem anos ao seu cartão de vacinação, jamais saberemos se diz a verdade ou é apenas mais uma bravata para manter o gado que o apoia em ponto de rebuçado.
Pelo meio, houve o episódio do jantar, em pé, na parte de fora de uma pizaria, imediatamente partilhado nas redes sociais pelo ilustre sanfoneiro da banda de forró Brucelose e ministro do Turismo nas horas vagas para dar a ideia de que o presidente é um homem simples - o mesmo homem simples que gastou 5,8 milhões de reais (perto de um milhão de euros) só em oito meses de 2021 com o cartão de crédito do Planalto, um recorde nacional desde a introdução, em 2001, do benefício presidencial.
Em encontro com Boris Johnson, o chefe de Estado brasileiro conseguiu algo que, admitamo-lo, antes dele ninguém conseguira: fazer o primeiro-ministro britânico parecer sensato. Devidamente vacinado, Johnson fez publicidade à AstraZeneca e levou o homólogo a verbalizar, com um sorriso constrangido, que não se imunizou.
Horas antes de um discurso sobre o Bolsonaristão, o país imaginário da Terra plana sem ponto de contacto com o devastado Brasil real, o autocarro da comitiva deparou-se com um miniprotesto de brasileiros em frente ao hotel. O ministro da Saúde, um médico de quem se espera recato e sangue-frio, decidiu então saltar da cadeira e ir para a janela fazer sinais obscenos com o dedo médio aos manifestantes.
E no fim da viagem mais grotesca da história, o mesmo ministro, que será ouvido em data oportuna na Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado para explicar o caos e a corrupção no combate à pandemia no governo Bolsonaro, protagonizaria o constrangimento definitivo da visita: contraiu coronavírus e terá de cumprir quarentena, provavelmente num hotel de luxo pago por um cartão de crédito alimentado pelos contribuintes brasileiros, em Nova Iorque.
Bill de Blasio conta os dias para o mandar embora da cidade enquanto o resto do mundo conta os meses para o Brasil substituir este presidente nem que seja pelo Tiririca.
Jornalista, correspondente em São Paulo