Maria Branyas Morera morreu “em paz”, como desejava, em agosto de 2024, em Espanha. Tinha 117 anos e 168 dias e o invejado estatuto de pessoa mais velha do mundo, depois de uma vida cheia sem doenças de maior. Como legado, entregou-se a estudos científicos que ajudassem a destapar um pouco dos enigmas da sua longevidade. Os resultados foram agora publicados na revista científica Cell Reports Medicine: Maria tinha uma vida marcada por hábitos saudáveis, como caminhadas diárias, uma dieta mediterrânica rica em azeite e… três iogurtes por dia. Ingredientes que robusteceram uma genética que a protegeu de doenças cardiovasculares e inflamatórias. Ou seja, nenhum milagre ou segredo oculto; apenas a combinação feliz entre disciplina, circunstância e herança biológica.A investigação sobre a longevidade tem vindo a ganhar enorme relevo na ciência contemporânea. Mais do que procurar fórmulas mágicas para a vida eterna, os cientistas procuram responder a uma necessidade concreta: como viver mais tempo com saúde, reduzindo o peso social e económico das doenças associadas ao envelhecimento. Em sociedades cada vez mais envelhecidas, este é um dos maiores desafios coletivos do nosso tempo.Mas nem todos olham para estes avanços com a mesma racionalidade. No início deste mês, por exemplo, um microfone descuidado apanhou Vladimir Putin e Xi Jinping numa animada conversa sobre as possibilidades de viverem até aos 150 anos ou até mesmo de atingir a imortalidade - “com transplantes contínuos de órgãos”, sugeria o presidente russo. Seria apenas uma conversa inócua entre septuagenários, não fossem eles dois líderes de potências mundiais que há muito deixaram claro o apego ao prolongamento do poder, como se pudessem estender o seu domínio sobre o corpo e sobre o tempo.A velha fantasia de poderosos que querem desafiar a morte está cheia de exemplos na História: os faraós ergueram pirâmides e desenvolveram rituais de mumificação para se eternizarem, o imperador chinês Qin Shi Huang enviou expedições à procura do “elixir da vida”, monarcas europeus financiaram alquimistas em busca da pedra filosofal. Hoje, essa obsessão renasce com roupagem tecnológica: a criogenia, as transfusões de plasma, os projetos de digitalização da consciência e o investimento massivo de magnatas como Elon Musk, Jeff Bezos ou Peter Thiel na promessa de derrotar o envelhecimento.Enquanto líderes autocratas e bilionários se recreiam com a ideia de corpos eternos, milhões enfrentam a fragilidade diária de sistemas que falham em garantir cuidados de saúde básicos, habitação digna ou igualdade de direitos, ao mesmo tempo que os novos ventos de obscurantismo distorcem as conquistas da própria Ciência, para servir delírios ideológicos de alguns.Por mais dura que seja, a morte biológica tem o condão de nos lembrar que o tempo conta e as escolhas importam. Foi o que fez Maria, um iogurte de cada vez.