Acabou agosto e acabaram as férias para grande parte dos portugueses. No regresso ao trabalho multiplicam-se as conversas de corredor sobre o que aconteceu nas semanas de ausência. A retoma do futebol é um clássico de fim de verão, este ano ainda mais condimentado pela vitória do Porto sobre o Sporting, que promete já animar o campeonato. Também eu vos provoco com quatro casos que marcaram este estio: os fogos, as touradas, as gémeas e a flotilha.Os incêndios regressam sempre. É uma maldição cíclica, uma ferida aberta todos os verões. Este ano tivemos de assistir ao maior fogo florestal de sempre em Portugal. E a discussão, previsível, regressou também: não nos preparamos no inverno, não temos meios de combate suficientes, não acautelámos aviões, não declarámos a calamidade a tempo. Tudo verdade. Mas este raciocínio tem dois fatores que não controlamos. O primeiro é o novo clima de verão – mais quente, mais seco, mais extremo – que as alterações climáticas nos impõem. O segundo fator é o fósforo, o incendiário. Continuo a acreditar que quantas mais imagens de primeiro plano, em diretos televisivos intermináveis, mais incentivo é dado aos piromaníacos. Não poderíamos filmar menos?O segundo caso foi a morte de um jovem forcado de apenas 22 anos, numa corrida no Campo Pequeno. As redes sociais pegaram fogo: uns clamaram contra a tauromaquia, lembrando que o espetáculo atinge tanto os touros como os praticantes; outros indignaram-se com o aproveitamento da tragédia para atacar uma tradição. A cereja no topo foi um artigo que comparou a tourada ao surf de ondas gigantes: em ambos, os praticantes conhecem os riscos de vida. A analogia é curiosa: a onda, cortada pela prancha, seria equivalente ao touro, perfurado pelo ferro. Com essa tese, ficámos a saber que afinal o mar também sangra.Seguiu-se o caso das gémeas. Em 2021, duas bebés luso-brasileiras, não residentes em Portugal, foram tratadas no Hospital Santa Maria com um dos medicamentos mais caros do mundo. O processo levantou suspeitas de terem passado à frente na lista com ajudas extra. A polémica parecia bastar, mas não: a mãe das crianças, não satisfeita com o benefício obtido graças ao orçamento português, para o qual nunca contribuiu, decidiu agora processar todos – incluindo o médico que denunciou. O objetivo? Uma indemnização certamente choruda. A moralidade, percebe-se, é um conceito muito elástico.E chegamos à flotilha. Uma iniciativa internacional da sociedade civil que visa levar alimentos a Gaza, à qual se juntaram três portugueses, incluindo a deputada Mariana Mortágua. O episódio revela bem o planeta Mortágua, convencido de que o mundo gira em seu redor. A deputada decidiu embarcar, ausentar-se do parlamento durante semanas, fazer o seu marketing político e, de caminho, exigir que o governo português lhe garanta proteção. Na sua lógica, esse é um direito adquirido. Resta saber se imaginou um par de fragatas a escoltarem o navio, uma de cada lado, discretamente seguidas por um submarino pronto a disparar sobre drones hostis. O surrealismo completa-se quando nos recordamos de que, com esta partida, a bancada do Bloco de Esquerda – que já é uma cadeira solitária – ficará ainda mais vazia.Quatro casos, quatro retratos de um país em que o verão nunca é apenas descanso.Professor catedrático