Quanto custa um bilhete de cinema?
Economia do cinema? O que é isso? E por que é que isso haveria de interessar a quem apenas quer escolher um filme, comprar o seu bilhete e assistir a qualquer coisa que se espera interessante, eventualmente gratificante?
Quase ninguém parece disponível para pensar as ressonâncias de tais perguntas. Uma prova eloquente desse não-pensamento circula pelo quotidiano através de um desabafo que muitos foram condicionados a proclamar: “O cinema está muito caro.” Há, de facto, um esquematismo do senso comum que alimenta perceções e interpretações que ninguém fundamenta, mas que são tratadas como evidências irrefutáveis.
Consulto os sites de algumas salas de cinema e procuro saber quanto me pode custar conhecer o novo Megalopolis, de Francis Ford Coppola. Resposta: qualquer coisa como 7 euros. Nalguns casos, posso até escolher entre as propostas do “bar” e comprar, por exemplo, um menu que inclui pipocas e uma bebida - preço: cerca de 15 euros, mais do dobro do preço do bilhete. Contas redondas: 22 euros.
Caro? Talvez. Entretanto, avalio a hipótese de ir ver um jogo de futebol de um dos chamados “grandes” com uma equipa do “meio da tabela”. Fico a saber que os meus 22 euros me permitem comprar um dos bilhetes mais baratos (sem pipocas e afins), tendo opções até aos 100 euros. E se eu pensar num dos próximos jogos europeus? Aí, a escolha começa nos 120 euros e vai até um pouco mais de 600 euros. Sem esquecer que posso querer vestir uma camisola do clube, o que estará ao meu alcance por 100 euros, talvez 150 euros se optar pela mais recente versão do equipamento oficial.
Este último item suscita uma curiosa aritmética. Assim, contemplemos as bancadas esgotadas de um jogo de futebol, com cerca de 50 mil espectadores. Pelas imagens, podemos arriscar que pelo menos umas 40 mil pessoas vestem camisolas do seu clube de eleição. Mas vamos supor que o número é exagerado e que “apenas” metade dessas pessoas (25 mil) usa o dito equipamento: se todas compraram o modelo mais barato, isso significa que a imagem obtida pelos drones televisivos nos dá a ver, ao vivo, a módica quantia de 2,5 milhões de euros.
Façamos um esforço e dispensemos as reflexões “teóricas” sobre aquilo que os especialistas do marketing, apoiados pela indigência de muitos discursos políticos, gostam de chamar “consumo cultural”. Contornemos a ancestral demagogia que nos situa, quais marionetas, em dois espaços supostamente separados e separáveis: a “cultura” de um lado, o “entretenimento” do outro. Recusemos também ceder à gritaria televisiva do “de quem é a culpa”. O que se passa é, de uma só vez, mais linear e infinitamente mais visceral na dinâmica de qualquer sociedade democrática. A saber: há uma cultura que foi vencida por outra.
O cinema é apenas uma das partes dessa cultura vencida. O futebol ocupa a linha da frente da nova cultura vencedora. E tanto mais quanto o futebol é todos os dias tratado como espelho dos grandes dramas da existência humana, desde o trabalho que todos fazem, até ao sofrimento que, heroicamente, suportam - as palavras “trabalho” e “sofrimento” têm mesmo o seu uso social mais frequente na avaliação dos fenómenos futebolísticos. Há ainda outra maneira de dizer isto: não há nada mais cultural do que a circulação do dinheiro. Até porque essa circulação nos esclarece sobre as diferenças internas e os valores contrastados de que se faz uma sociedade.
Enfim, pensemos num cidadão que, ao longo da sua vida de trabalho, ganhou em média 1000 euros por mês. Se trabalhou durante 40 anos, o valor global dos seus rendimentos até à reforma será: 480 mil euros. Na prática, há muitos jogadores de futebol que ganham o mesmo valor num mês ou dois. O que suscita uma nuance: seria lamentável difamar um jogador de futebol (ou seja quem for) através do uso unilateral destes números, mas não parece possível pensar culturalmente aquilo que somos sem ter em conta a frieza da sua linguagem.
Jornalista
============2024 - OPINIÃO - Destaque (15351174)============
Quanto gastamos para ver um filme?
E quanto custa um bilhete de futebol? Eis um velho passatempo: veja as diferenças.”
============2024 - Legenda (15355803)============