Quando o pirómano tem mais tempo de antena, a democracia arde mais depressa

Publicado a

Sento-me à frente da televisão ou oiço podcasts para acompanhar a maratona de debates para as eleições de janeiro e confirmo uma desconfiança simples: a forma como distribuímos a atenção entre quem quer debater e quem prefere incendiar está a tornar a nossa democracia mais frágil. A boa notícia é que a campanha para as presidenciais tem revelado, na sua maioria, um confronto relativamente civilizado de ideias. Apesar das diferenças programáticas, os candidatos e a candidata têm conseguido explicar posições, criticar propostas e clarificar visões para o país, sem transformar cada minuto televisivo num espetáculo de agressões pessoais. Há interrupções, há tensão, há discordâncias, como é natural numa democracia viva, mas e em regra, temos a noção de que o debate político exige respeito pelos factos, pelo interlocutor ou interlocutora e por quem irá votar.

Mas este retrato não é completo. Porque, ao lado da maioria que debate, existe também uma minoria ruidosa que prefere incendiar. Uma minoria que transforma cada aparição pública num pequeno teatro da fúria, que confunde coragem com gritaria e que acredita que a melhor forma de conquistar espaço político é pegar fogo à tenda da democracia. É o pirómano de serviço que não quer debater, antes quer ver arder. E não procura esclarecer, mas desestabilizar.

É importante reconhecer que estes dois mundos se influenciam mutuamente. A crispação permanente exerce pressão sobre todos os atores políticos. A tentação de responder no mesmo registo, de ceder ao populismo de voz alta, está sempre presente. Mas é precisamente por isso que os debates civilizados têm um valor quase pedagógico, já que mostram que a democracia pode funcionar sem gritar, que o contraditório pode ser firme sem ser grosseiro e que a política não tem de ser uma sucessão de ataques a tudo e a todos.

E, no entanto, quando leio os jornais, vejo as televisões, oiço as rádios e percorro as redes sociais, torna-se claro que o contraste entre a civilidade possível e o tumulto deliberado é ainda mais evidente depois do debate acabar. A violência verbal, a bravata, o insulto transformados em método político e mediático, a normalização da falta de educação, tudo isto parece ter-se tornado o combustível preferido de um ecossistema onde o ruído supera o raciocínio e o espetáculo vende mais do que a razão. A atenção mediática não segue necessariamente a qualidade da democracia, mas sim o volume do grito. E, neste ponto, a diferença torna-se ainda mais perturbadora, já que o pirómano aparece mais vezes nos alinhamentos noticiosos, ocupa mais espaço nas redes sociais e conquista mais minutos de atenção pública do que quem nos oferece um debate esclarecedor. A democracia que discute fica em segundo plano, enquanto o populismo que grita recebe os holofotes.

No seu discurso do 25 de Novembro, o Presidente da República fez um apelo que merece ser recordado: a necessidade de temperança. Uma virtude antiga mas cada vez mais urgente. Temperar a palavra, medir o gesto, recusar o fogo fácil que tudo destrói. Se quisermos proteger a qualidade da nossa democracia, talvez este seja o primeiro passo: distinguir quem quer construir um país melhor de quem só quer ver a tenda arder.

Num tempo em que o excesso é frequentemente confundido com autenticidade, importa lembrar que a verdadeira força democrática reside na qualidade da argumentação e não no volume da gritaria. E que a provocação permanente não é coragem, mas apenas incapacidade de contribuir para uma democracia que defende os direitos de cada pessoa, responde às suas aflições e reconhece o valor de todos que aqui vivem, trabalham e ajudam ao nosso progresso coletivo.

Professor Convidado UCP/UNL/UÉ

Diário de Notícias
www.dn.pt