Quando as palavras ferem mais do que curam

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Nos últimos dias as nossas vidas mediáticas têm estado muito focadas no que se passa no Ministério da Saúde, principalmente, nas declarações de Ana Paula Martins, a governante com a tutela de uma das mais difíceis pastas de um Governo. A missão não é fácil – nem para ela nem para os ministros da Saúde anteriores –, mas há alguns limites que não podem ser ultrapassados.

Um deles é o tecer considerações sem estar completamente convicto do que se está a dizer. Exemplo? “São grávidas que não têm dinheiro para ir ao privado, grávidas que algumas vezes nem falam português e que não foram preparadas para chamar o socorro. Por vezes, nem telemóvel têm” e “recém-chegadas a Portugal, com gravidezes adiantadas”. Estas duas frases foram ditas na Assembleia da República quando Ana Paula Martins foi confrontada com a morte de uma paciente no Hospital Amadora-Sintra.

À parte o preconceito – “não têm dinheiro para ir ao privado” ou “nem falam português” –, as declarações da governante são ofensivas para todos os que ainda procuram ser atendidos no Serviço Nacional de Saúde.

O mandato da ministra tem sido marcado por algumas situações que em outros governos eram consideradas exemplos de más escolhas: nomeação de administradores hospitalares que acabam por lhe criar problemas – como aconteceu agora no Amadora-Sintra, quando não lhe deram toda a informação sobre o acompanhamento que a grávida estava a receber –; anúncio da abertura da urgência obstétrica do Hospital Garcia de Orta (Almada) 24 horas por dia em setembro, o que não aconteceu; criação de urgências regionais que afinal deverão surgir só no próximo ano; e um bónus financeiro para os médicos que também ainda não avançou. E isto para não me alongar nos problemas com o INEM.

O panorama não é famoso, pelo contrário, e talvez a ministra até esteja numa lista de remodeláveis nos próximos meses (por vontade do primeiro-ministro Luís Montenegro ou da própria), mas a verdade é que são muitos casos e muitas pressões de classes profissionais e não só.

Como disse ontem o antigo primeiro-ministro e presidente da República Cavaco Silva “em política os erros cometidos por um governo não podem ser escondidos”. Talvez esta frase até fosse um recado. Quem sabe.

Editor executivo do Diário de Notícias

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