Quando as diplomacias papal e turca se tocam

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Visitei em tempos a Igreja de São Pedro em Antakya, a antiga Antioquia, uma gruta onde há dois mil anos o apóstolo que foi o primeiro papa chegou a pregar, e que simboliza bem a importância na história do cristianismo no território que corresponde à atual Turquia. Com a sua primeira visita papal a ser exatamente à Turquia, para celebrar os 1700 anos do Concílio de Niceia, cidade que é hoje Iznik, Leão XIV envia uma mensagem de unidade (o tema do encontro promovido pelo imperador romano Constantino em 325) à Igreja Católica e não só, e também reforça pontes com a Igreja Ortodoxa, pois também se reunirá em Istambul com o patriarca Bartolomeu I. Igualmente, o papa visitará a Mesquita Azul, a mais impressionante de Istambul, com os seus seis minaretes mandados erguer pelo sultão Ahmet I. O diálogo com o islão tem sido uma constante de sucessivos papas e o primeiro papa americano não será exceção.

E para tirar quaisquer dúvidas de que qualquer viagem de um papa para fora de Itália é um exercício tanto religioso como politico, naquela que é a sua primeira peregrinação diplomática, Leão XIV começa por ir dia 27 de novembro até Ancara, a capital, para uma reunião privada com o presidente Recep Erdogan, e um encontro com autoridades turcas e membros do corpo diplomático, no qual fará o seu primeiro discurso no estrangeiro, sendo esperado que fale da necessidade de paz, sobretudo no Médio Oriente. Foi, aliás, a forte posição do seu antecessor Francisco de defesa de Jerusalém como cidade santa para judeus, muçulmanos e cristãos que permitiu ultrapassar um choque anterior com a Turquia, por causa de comentários do próprio papa argentino sobre os massacres de arménios do Império Otomano em 1915, que a república recusa ser considerado genocídio. Agora, já no pontificado de Leão XIV, percebe-se que o impacto do ataque terrorista do Hamas de 7 de outubro de 2023 a Israel e da guerra de retaliação em Gaza que se seguiu ainda está longe de ter terminado, basta pensar que o Líbano é a segunda etapa desta visita inicial e a paz é ali muito precária. País árabe com a maior percentagem de cristãos (e um deles é sempre o presidente, segundo a Constituição), o pequeno Líbano tem vivido nas últimas décadas entre as suspeitas entre comunidades religiosas e os jogos de influência de outros países da região, da Síria no passado, ao Irão (apoiante do Hezbollah) e a Israel hoje.

País de maioria muçulmana, sucessor do Império Otomano, a moderna República da Turquia sofreu uma acentuada laicização por decisão de Mustafa Kemal Ataturk há cerca de um século, mas com Erdogan o islão recuperou presença no espaço público. Também sob Erdogan, a Turquia confirmou o papel de potência fundamental, com a sua diplomacia a destacar-se não só no Médio Oriente como também na guerra entre a Rússia e a Ucrânia.

Sublinhe-se que a relevância da Turquia para a diplomacia papal não começou com Erdogan. E basta olhar para as viagens papais desde que nos anos 1960 Paulo VI apanhou um avião e inaugurou a era das peregrinações ao estrangeiro para termos a certeza disso. Desde então, o mundo parece pequeno visto do Vaticano mas só meia dúzia de países foram visitados (se excluirmos João Paulo I, de efémero pontificado) por todos os papas, e um deles é a Turquia. Que agora é também o primeiro a ser visitado por Leão XIV, que cumpre planos de viagem que já vinham de Francisco.

Diretor adjunto do Diário de Notícias

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