Acabou o ano escolar e começaram as férias. As manhãs deixaram de ter o ritmo frenético habitual, ficaram mais serenas. As crianças pequenas já não precisam de acordar tão cedo para se apressarem para a escola nem de estar um exagero de horas sentadas na sala de aula em atividades que requerem silêncio e concentração. São também libertadas do delírio de sucessivas atividades extralectivas. Têm finalmente tempo para brincar ainda que o espaço para brincadeira se restrinja demasiadas vezes a mais horas à volta de ecrãs e de jogos eletrónicos..Brincar é uma atividade importante para crescer de forma saudável e é muitas vezes subestimada pelos adultos face a outras atividades ditas sérias, como os trabalhos de casa ou as atividades extralectivas. Pois, deixem-me dizer-vos, caros leitores, sobretudo os que têm filhos pequenos, as brincadeiras são das tarefas mais sérias da infância. As consequências positivas das atividades de correria ao ar livre, dos jogos de faz de conta ou dos jogos com os amigos estão devidamente fundamentadas e são conhecidas. Brincar beneficia a socialização e as competências de comunicação e, nesse sentido, permite prevenir comportamentos desajustados e de violência. As brincadeiras que implicam interação social favorecem o desenvolvimento da empatia e do sentido de pertença a um grupo. Os jogos de faz de conta são um dos motores da imaginação e da criatividade, pois no contexto destas brincadeiras simbólicas as crianças manipulam imagens, brincam com as palavras, ampliam a sua linguagem, como tão bem ilustra o poeta Manuel de Barros. "No quintal a gente gostava de brincar com as palavras/mais do que de bicicleta/Principalmente porque ninguém possuía bicicleta/ a gente brincava de palavras descomparadas." Nos momentos da brincadeira os brinquedos podem, como sugere o poeta, adquirir novas funções ou serem inventados quando não existem..Se lhes tiram esses momentos lúdicos, as crianças, apesar de tudo, inventam-nos nos poucos espaços que têm de liberdade, porque no jogo os miúdos aprendem a furar as fronteiras entre a fantasia e a realidade. Nas brincadeiras ao ar livre, as crianças adquirem autonomia e confiança e, ao correram pequenos riscos, aprendem a regular emoções e receios. Ao brincar as crianças crescem com o corpo, agilizam-no para os movimentos necessários e dessa maneira tornam a mente igualmente mais ágil. Como refere um autor famoso desta área, Stuart Brown, "nada ilumina tanto o cérebro quanto o brincar.".As atividades lúdicas podem e devem também ser aproveitados em contextos escolares e de educação formal, tornando mais fáceis a assimilação de conceitos e facilitando a evolução de conceitos espontâneo para outros mais abstratos e convencionais. Os graduais níveis de complexidade que se podem introduzir nos jogos ajudam, igualmente, a desenvolver operações mentais mais complexas..Brincar é e será sempre, mesmo nos adultos, uma fonte de bem-estar, porque como considera um outro especialista na área, Carlos Neto "ao brincar, a criança processa pela imaginação a criação do seu elo interno com o mundo externo". A sensação de bem-estar associado às brincadeiras decorrem da libertação de endorfinas e podem dar origem a memórias felizes. Em alguns casos essas lembranças infantis, ou melhor a ausência de recordações felizes com brincadeiras deixa no ar travo de nostalgia que não pode ser corrigida como neste poema de Fernando Pessoa: "E toda aquela infância/ Que não tive me vem/ Numa onda de alegria/ que não foi de ninguém.".Professora do Ispa - Instituto Universitário e escritora