Apesar de 60% ou 70% do eleitorado não abstencionista votar nos dois maiores partidos portugueses, PS e PSD, os tempos políticos demonstram que a vitória numas legislativas de cada um deles, por si só, não serve para formar um governo..Como tanto os socialistas como os sociais-democratas parecem incapazes de obter uma maioria absoluta, a formação de um governo viável após as eleições de dia 30 depende de acordos ou de cedências no parlamento, como aconteceu em 2015 e em 2019..É por isso que, para mim, a notícia que várias sondagens dos últimos dias nos dão não é a aproximação do PSD ao PS permitir a Rui Rio sonhar com a possibilidade de vir a ser primeiro-ministro. A notícia está noutro resultado: os partidos à direita somam, juntos, quase tantas intenções de voto quanto os partidos à esquerda e podem ter uma maioria..A disputa eleitoral que pode decidir o perfil do próximo governo não é, portanto, entre António Costa e Rui Rio que se arriscam a, literalmente, empatarem..Costa, que pretendia uma maioria suficientemente grande que lhe permitisse ganhar capital político para formar governo sozinho ou apenas com apoio do PAN e/ou do Livre, parece já não ter essa possibilidade e terá de negociar com muito mais gente. Rui Rio, por seu lado, se ganhar ou se encontrar uma maioria de direita no parlamento, também terá de o fazer..Se Catarina Martins, Jerónimo de Sousa e Rui Tavares somarem mais deputados do que André Ventura, Cotrim de Figueiredo e Francisco Rodrigues dos Santos, o próximo governo será liderado por António Costa, desde que o PS tenha mais um voto do que o PSD..Se acontecer o contrário e os partidos mais pequenos da direita parlamentar tiverem maioria, Rui Rio pode formar governo, mesmo se não ganhar as eleições: 2015 e a "geringonça" ensinaram-nos isso..O PAN, que diz que dá para os dois lados, terá, teoricamente, mais facilidade em impor as suas reivindicações programáticas nos partidos à esquerda do que nos partidos à direita, mas pode acontecer vir a ser um fiel da balança e ser ostensivamente namorado por todo o parlamento para viabilizar um governo..Mas há algumas dificuldades adicionais..António Costa, que anunciou repetidamente que se demitiria da liderança do PS caso não ganhasse as eleições, tornou assim impossível repetir a proeza de 2015: ficar em segundo lugar, mas ser primeiro-ministro..Se o PS ficar em segundo lugar nas eleições mas existir uma maioria de esquerda que inviabilize um governo liderado pelo PSD, será politicamente viável aos socialistas, com outro líder que não deu a cara na campanha, avançar para o governo apoiado pelos outros partidos de esquerda? Seria constitucional, mas duvido que o Presidente da República aceitasse isso....À direita o problema está no Chega: o partido de André Ventura terá sempre de entrar nas contas para formar uma maioria desse lado parlamentar e como todos, agora, juram que não negoceiam com ele, as dificuldades para Rui Rio aumentam muito... no final, porém, é provável que acabem por se entender mas será mais fácil à direita ser governo quanto menos deputados do Chega houver..Resta a solução Bloco Central, aquela que aparentemente Marcelo Rebelo de Sousa quer e aquela que mais me preocupa: é evidentemente justo recear que um governo desse tipo suscite a cumplicidade no assalto das duas máquinas partidárias aos milhares de milhão de euros que vêm de Bruxelas..É razoável admitir que a banca e as grandes empresas voltem a ditar a governação em proveito próprio, pondo "os seus" governantes e ex-governantes a circularem pelas empresas e pelo Estado..A fiscalização política será mínima, a prestação de contas paupérrima, a comunicação social manietada. O Tribunal de Contas será paralisado, as entidades reguladoras silenciadas, a contratação pública manipulada e até a legislação e a regulamentação da distribuição de fundos será modificada para caber, à medida, no fato do casamento PS com PSD - o passado não nos deixa iludir, a corrupção aumentaria..O melhor para o país é ter, claramente, um projeto de esquerda ou de direita a governar, com uma oposição forte de sinal contrário a fiscalizar..Neste momento, para isso acontecer, nem PS nem PSD deveriam crescer nas intenções de voto: é que o voto útil será o que decide a existência de uma maioria de esquerda ou de uma maioria de direita e isso, neste momento, faz-se reforçando todos os partidos, menos os dois maiores..Jornalista