Primeiro a educação, agora o humor. O que se segue?

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A notícia caiu como uma bomba no final da semana passada: depois de 33 anos, o programa The Late Night Show, apresentado por Stephen Colbert, chega ao fim. Um dos mais interessantes e bem-sucedidos programas de crítica política e social foi cancelado pela CBS, “por questões puramente financeiras”, diria o canal em comunicado. Por questões políticas, sabemos todos nós. Primeiro, Donald Trump atacou as Universidades, reduto do conhecimento e da liberdade nos EUA, cortando o financiamento federal a instituições como Harvard ou Columbia, escolas que tornaram o país apetecível para a elite científica mundial ao longo das décadas. Depois, vetou a entrada a jornalistas de orgãos de comunicação social “não alinhados” com as suas políticas nas conferências de imprensa da Casa Branca. E agora, ataca o humor, um espaço de liberdade onde Trump não tinha ainda conseguido chegar, e cala uma das referências da crítica política do país.

Há umas semanas, em entrevista ao Diário de Notícias, o escritor e ativista brasileiro Marcelo Rubens Paiva deixava um alerta em jeito de lembrança: “Você tira a cultura que faz as pessoas refletirem, que tem uma tradição de ser revolucionária, de propor o contraditório, e você tira a liberdade de ensino, tira o debate nas universidades, na educação. Esse é um projeto bastante comum da extrema-direita e que começou, inclusive, no nazismo quando queimavam os livros, não é?” Que é como quem diz: só não vê o que está a desenhar-se no horizonte quem não quer.

E, se somos todos tão críticos com as decisões de Donald Trump - as redes sociais explodiram com o cancelamento do The Late Show - talvez não seja má ideia recordar umas palavras do líder do maior partido da oposição da nossa própria Assembleia da República.

Em resposta à [lamentável e muito triste] declaração de insolvência da revista Visão, decretada na semana passada, André Ventura publicou nas suas redes sociais uma fotografia, de várias capas da revista com investigações sobre o Chega e a seguinte frase: “Tanto atacámos o Chega que fomos à falência”. Na legenda escrita pelo líder do partido lê-se: “Não sou eu que digo”, seguido de um emoji com uma auréola de anjo.

Não gostar de vozes críticas, calar quem questiona e limitar a liberdade da imprensa são técnicas antigas (e eficazes) de quem quer acabar com a Democracia. E desenganemo-nos se achamos que, por cá, não estamos a fazer o mesmo caminho que tanto nos assusta do outro lado do Oceano.

Diário de Notícias
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