Prevenir crimes de ódio e proteger a Economia

Provocar o caos, o medo e o ódio pelos outros, erode a nossa Democracia e não é certamente um trunfo para a nossa economia. Tudo o que os dirigentes públicos, assumindo as suas responsabilidades, experiência, sentido de Estado e de cidadania, puderem fazer para combater estes discursos, não é política, nem estão a entrar em terrenos alheios, é uma missão. Porque os tempos são de luta.
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O impacto da intervenção do diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ) na conferência dos 160 anos do Diário de Notícias, que se tornou viral nas redes sociais, pode ter duas leituras, pelo menos.

Uma é a de que a imigração é, de facto, um tema fraturante que provoca reações, a maior parte das vezes, infelizmente, extremadas. A segunda é que é pouco habitual ouvir um chefe de polícia falar publicamente com desassombro sobre um tema desta sensibilidade.

O Governo, principalmente através do ministro da Presidência, António Leitão Amaro, tem deixado claro que a política pública para as migrações terá sempre uma preocupação humanista.

Não hipocritamente humanista, deixando entrar em território nacional um número indiscriminado, descontrolado e, até hoje, desconhecido, de imigrantes, alimentado redes de tráfico de seres humanos e deixando estas pessoas à mercê de empresários que os exploram.

Conforme frisou o governante minutos antes de Luís Neves, na mesma conferência, trata-se de uma “política moderada”, que necessita de regras e de controlo, para garantir que não se cria um sentimento de intranquilidade “que seja pasto para o ódio e ressentimento”. Juntou à “integração com humanidade” a exigência de que “viver em Portugal significa o respeito e adesão aos princípios constitucionais”.

Nesse sentido, sublinhou que não se pode aceitar “práticas e valores” que se traduzam na “violência, desrespeito e subalternização” das mulheres e crianças.

Quando o dirigente máximo de uma polícia prestigiada, nacional e internacionalmente, decide que é o momento para desconstruir uma narrativa, que se tem alastrado, que associa imigração à criminalidade - a qual o próprio primeiro-ministro, Luís Montenegro, tem repetidamente refutado – não está a fazer política, nem a responder a nenhum partido.

O que Luís Neves fez, mesmo que sem a utilização mais certeira dos dados que possuía (alguns importantes foram nesta segunda-feira publicados aqui no DN), foi um ato de prevenção de crimes de ódio contra as comunidades migrantes, principalmente as indostânicas que mais têm estado na mira dos ataques xenófobos.

Não foi a primeira vez que o fez. O DN estava presente quando em 2018, ainda diretor da Unidade Nacional de Contraterrorismo, surpreendeu as associações de imigrantes num colóquio, defendendo que "a melhor prevenção quer para o tráfico de seres humanos, quer para situações de radicalização, é a integração dessas pessoas (imigrantes), munidas de documentação e direitos. Saber quem são e acolhê-las de forma rápida, deixá-las ser felizes no nosso país. Sentindo-se integrados esses imigrantes sentem gratidão com o país e isso ajuda a evitar os radicalismos".

Mas não foi só a prevenção de crimes de ódio. Ao comparar os padrões qualitativos e quantitativos da criminalidade atual com o da década passada, na qual proliferaram explosões de multibancos, mais de 140 homicídios por ano (2006 com 194), roubos de vária ordem, para concluir, com legítima indignação, que a tal “perceção de insegurança” de que tanto se insiste em falar resulta de “desinformação e manipulação”, está também a proteger um dos nossos principais ativos para atrair investimento estrangeiro para o país, que é a segurança.

Mesmo sendo até compreensível que o Governo queira captar algum eleitorado do Chega, é preciso não se deixar contagiar, porque se pode virar contra si próprio.

Aliás, como escreve esta terça-feira o Luís Reis Ribeiro, segundo peritos do Banco de Portugal, o crescimento do emprego resultou, em larga medida, da contratação de mão-de-obra estrangeira, que permitiu sustentar o dinamismo da atividade económica”, e que “estes trabalhadores [estrangeiros] têm compensado o impacto do envelhecimento da população de nacionalidade portuguesa, visível numa menor entrada de jovens no mercado de trabalho”.

Provocar o caos, o medo e o ódio pelos outros, erode a nossa Democracia e não é certamente um trunfo para a nossa economia. Tudo o que os dirigentes públicos, assumindo as suas responsabilidades, experiência, sentido de Estado e de cidadania, puderem fazer para combater estes discursos, não é política, nem estão a entrar em terrenos alheios, é uma missão. Porque os tempos são de luta.

Diretora-adjunta do Diário de Notícias

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