Preservar a realidade num Tupperware
A iminente queda da Tupperware, uma empresa histórica icónica que se apresentou à falência na semana passada, teve um destaque modesto na imprensa nacional. É certo que os contornos trágicos dos fogos destes dias dominaram, e bem, os telejornais e a imprensa, seguido do rapaz que esfaqueou os colegas numa escola e do drama das escalas nas urgências do SNS. Tudo temas importantes.
Ainda assim, convém recordar que a Tupperware tem em Portugal, mais concretamente em Montalvo (Constância), uma das suas principais fábricas em todo o mundo, onde trabalham mais de 200 pessoas, a maior parte deles portugueses e da região. A empresa já deu e ainda “dá trabalho” a centenas (chegaram a ser mais de uma dezena de milhar) de representantes individuais que vendem os produtos da marca nas célebres “reuniões da Tupperware”, à época um modelo inovador de comércio em venda direta.
Foi por isso que o Diário de Notícias foi a Montalvo em reportagem ouvir as apreensões dos trabalhadores em risco; foi por isso que foi falar com várias “consultoras” da Tupperware que venderam e ainda comercializam os seus produtos; foi por isso que recolheu declarações de antigos dirigentes da empresa em Portugal e Espanha sobre os motivos da queda, ou confrontou o Ministério da Economia sobre o futuro da fábrica em Constância. O resultado deste trabalho está no “Em Foco” da edição de hoje.
A história da queda da Tupperware é importante. Por causa da fábrica em Portugal, mas também por outras razões.
A falência da Tupperware é, na sua essência, a história de uma empresa que - conta quem a dirigiu - adormeceu à sombra do enorme sucesso que a marca conseguiu desde que Earl Tupper aproveitou polietileno rejeitado da Dupont e o moldou em produtos domésticos inquebráveis. Hoje, o nome Tupperware ainda é, em muitos países, sinónimo de “recipiente plástico” para guardar alimentos.
A companhia confiou demasiado no nome e na marca construída desde 1938, não foi capaz de se adaptar às novas formas de comércio eletrónico (que rapidamente atropelou o modelo da venda direta nas reuniões), foi lenta ou ineficaz na digitalização, leu mal a mudança de paradigma que foi a deslocação da produção para a Ásia e terá até desvalorizado a capacidade da China e da Índia de acompanhar e, em alguns casos, ultrapassar a inovação dos Estados Unidos e da Europa. No seu caso, o dos plásticos, a Tupperware passou a ter de competir com produtos de qualidade semelhante, mas muito mais baratos. Sem se reinventar, foi uma questão de tempo.
A lição - que os trabalhadores e os acionistas da Tupperware estão a aprender da forma mais dura - é útil para todas as empresas, de todos os setores. Para que um projeto possa ser sustentável, mesmo o de uma marca reconhecida e icónica, é preciso que saiba ler a realidade sobre si próprio e sobre o mercado em que está inserido; é preciso inovar de acordo com a realidade (nunca contra) e de acordo com os seus princípios identitários (nunca, nunca contra) e reter ou reforçar o talento que permita operar as mudanças. E depois trabalhar no duro.
A Tupperware não soube, sobretudo, adaptar-se à realidade. E chocou de frente. Não foi a realidade que se estilhaçou.