Prefiro fingir que não sei
A realidade muitas vezes dói, é verdade. E nua e crua dói mais ainda, quando ninguém a dourou ou pintou de cor-de-rosa. É por isso que tantas vezes, tantas pessoas, preferem não saber.
Prefiro não saber que o meu marido/mulher tem outra pessoa. Desde que a família se mantenha, tal e qual eu a imagino e a sociedade a dita. Vamos fazer de conta que somos felizes.
Prefiro não saber que os animais sofrem horrores para serem depois abatidos e chegarem ao meu prato. Desde que eu possa continuar a comer o que me apetece e dá prazer.
Prefiro não saber que o aquecimento global existe e pode ditar o fim do nosso planeta. Desde que eu possa continuar a viver o meu dia-a-dia da forma que me é mais conveniente.
Prefiro não saber que existe corrupção no meu local de trabalho. Desde que eu continue a receber o meu ordenado no final de cada mês.
Prefiro não saber que existe violência na minha casa, na casa ao lado, em tantas casas. Desde que se mantenha a aparência de normalidade e felicidade.
Prefiro não saber que existe escravatura, pobreza, tráfico de pessoas, tráfico de órgãos, tráfico de armas, pessoas que dormem na rua, etc., etc.
Prefiro não saber.
Há muitas coisas que preferimos não saber porque, ao não saber, é como se não existissem. Este é um processo claro de evitamento e negação, um processo defensivo em que preferimos fazer-de-conta que os problemas não existem, que a realidade é outra e que tudo se resolve se ignorarmos as adversidades.
O que não sabemos não pode afetar-nos, pensamos nós.
Mas a verdade é que estas adversidades não desaparecem como por magia, apenas porque as ignoramos. Elas continuam lá e, de uma forma ou de outra, influenciam a nossa vida e a vida dos outros.
Para aprender, mudar e crescer é necessário sairmos da bolha de conforto que nos rodeia e enfrentar as dificuldades. Deixarmos de estar centrados apenas no nosso "eu" e reconhecer a existência dos problemas, buscando soluções adequadas, numa perspetiva de confronto e não de fuga.
Eu prefiro saber e prefiro agir.
Psicóloga Clínica e Forense, Terapeuta Familiar e de Casal