Precariedade XXI: o futuro incerto dos jovens trabalhadores

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Nas suas últimas intervenções, a senhora ministra do Trabalho tem procurado justificar o anteprojeto “Trabalho XXI”, bem como negar a evidência de que se trata, como referi, um retrocesso civilizacional! Trata-se de um emaranhado de alterações pouco positivas para os trabalhadores e para as famílias, apesar de aqui e ali ter alguns aspetos positivos.

É inenarrável a ampliação da não reintegração de trabalhadores despedidos de forma ilícita. Trata-se de uma autêntica ‘autoestrada’ para a subcontratação após despedimento coletivo. Uma alteração que ameaça mais de quatro milhões de trabalhadores, alvos demasiado fáceis da ganância de quem queira apenas maximizar lucros.

Tal como é inenarrável o impacto potencial do anteprojeto nos jovens. Alguns exemplos. Primeiro, pretende-se revogar o Artigo 38.º-A, o qual reconhece o direito da mãe de poder faltar três dias em caso de interrupção da gravidez. Esta proposta de revogação elimina um direito laboral sensível e recentemente constituído.

Segundo, o anteprojeto pretende dificultar (Arts. 10.º e 10.º-B) o reconhecimento de falsos recibos verdes como aquilo que são na realidade: trabalhadores dependentes e subordinados hierarquicamente. De acordo com a proposta, um trabalhador independente é considerado em situação de dependência económica se prestar, diretamente e sem intervenção de terceiros, uma atividade para um beneficiário do qual obtenha 80% do seu rendimento anual, em vez do 50% atuais.

Terceiro, no que toca à amamentação e aleitamento (Arts. 47.º e 48.º) não me vou alongar. Pretende-se limitar o período de dispensa para amamentação até aos dois anos (atualmente sem limite), impondo a apresentação de atestados médicos periódicos de seis em seis meses. Um tema delirante e absurdo, visto que mais de um milhão e meio de portugueses não tem acesso a médico de família.

Finalmente, na contratação a termo (Arts. 140.º, 148.º e 149.º), tenta-se alterar os prazos máximos dos contratos a termo certo (de dois para três anos) e incerto (de quatro para cinco anos), ampliando as situações justificativas. Alarga-se o espetro da contratação ao “trabalhador que nunca tenha prestado atividade ao abrigo de contrato de trabalho por tempo indeterminado”, e que tendencialmente abrange os jovens, ampliando o regime de precariedade.

O anteprojeto prevê ainda que um contrato de trabalho a termo certo continue a poder ser renovado até três vezes, mas elimina o limite da duração total das renovações não poder exceder a do período inicial do mesmo. Em suma, reforça a precarização do trabalho.

Ora, se há caso de sucesso, em Portugal, é na redução, entre 2016 e 2024, do número e da percentagem de contratos a prazo entre os jovens, mas também nos trabalhadores mais velhos. Passámos de uma situação em que 53% dos jovens tinham contrato a prazo (2016) para uma mais próxima dos 39% (2024).

As restrições introduzidas aos contratos a termo levaram a que mais de 150 mil trabalhadores, maioritariamente jovens, tivessem tido um contrato sem termo.

Trabalhadores que não tiveram de emigrar e que ao permanecerem em Portugal não contribuíram para a sua substituição por mão-de-obra imigrante.

Finalmente, não se percebe o fito nem esta sanha de reengenharia social. Ela não encontra respaldo em nenhum programa eleitoral de partido algum, nem mesmo do PSD. Não tem qualquer justificação económica em pleno emprego e com o PIB a crescer.

Será que a senhora ministra, ao propor o anteprojeto “Trabalho XXI”, não se preocupa que os nossos jovens emigrem e despovoem Portugal?

Presidente do SNQTB

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