Práticas de conversão, perversidade e tortura

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Após a discussão pública que tem ocorrido nos últimos anos sobre as práticas de conversão, o Parlamento português vai discutir diversos projetos de lei que preveem a proibição destas práticas.

As práticas de conversão consistem num conjunto alargado de práticas que visam a mudança da orientação sexual e/ou da identidade de género de uma pessoa para uma orientação sexual heterossexual e/ou uma identidade de género cisgénero. Visam, portanto, a mudança de algo que é intrínseco à pessoa e que constitui uma parte fundamental da sua identidade. Estas práticas - que enquanto psicólogo me recuso a chamar de terapias - assentam em duas graves falácias: que a orientação sexual não heterossexual e a identidade de género não cisgénero são perturbações mentais e que é possível alterar a orientação sexual e identidade de género de uma pessoa. Cientificamente, é consensual não existir perturbação mental correspondente a qualquer orientação sexual ou identidade de género; pelo contrário, são o estigma social, a discriminação e o assédio que provocam problemas de saúde mental. Qualquer prática que defenda o contrário reforça este estigma e as suas consequências nefastas.

Estas práticas podem acontecer em diferentes contextos e perpetuadas por profissionais de saúde mental, profissionais de saúde e líderes religiosos. Podem envolver técnicas como choques elétricos, medicação indutora de vómito, medicação psiquiátrica, exorcismo, assim como outras mais dissimuladas como técnicas comportamentais, de sugestão, ou de associação entre orientação sexual e perturbação mental. Estas últimas foram já observadas em diversas reportagens jornalísticas realizadas nos últimos anos em Portugal.

Evidência acumulada em diversos países (Canadá, China, Colômbia, Coreia, EUA) estima que a prevalência de pessoas LGBT+ sujeitas a estas práticas varia entre 5% a 20%, dependendo do país, da faixa etária e da definição destas práticas. Desde 2020 que coordeno um estudo sobre a prevalência e efeitos das práticas de conversão para pessoas LGBT+. Numa amostra de 424 pessoas, cerca de 20% foram sujeitas a práticas de conversão em contexto médico, religioso ou escolar, e em entre estas, 5% em contexto de saúde mental. A idade mínima de início foi de 12 anos e a maioria entre os 14 e os 19 anos. A maioria das pessoas sentiu-se forçada a permanecer no processo e demonstra sofrimento clínico e índices elevados de ideação e tentativas de suicídio.

Como defendido pelo especialista Victor Madrigal-Borloz num relatório das Nações Unidas de 2020, estas práticas podem configurar formas de tortura e são altamente perigosas para as pessoas que a elas são expostas. Estas práticas humilham, patologizam e perpetuam violência sobre pessoas LGBT+, com efeitos perversos e graves para a sua saúde mental. As Nações Unidas e o Comissariado para os Direitos Humanos do Conselho da Europa recomendam, por isso, que sejam tomadas medidas globais para impedir a continuidade destas práticas e proteger a pessoas vitimizadas.

Tendo em conta estas evidências, exorto o Parlamento português a:

1) Apoiar o desenvolvimento de estudos que permitam conhecer aprofundadamente este problema;

2) Impedir a perpetuação desta forma perversa de violência sobre pessoas LGBT+, em particular sobre pessoas menores de idade;

3) Criar mecanismos de resposta social e psicológica adequados às pessoas vitimizadas.

Investigador do Ispa - Instituto Universitário

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