Portugal vai continuar estrangulado pela bitola ibérica

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Nos comboios a bitola ibérica (carris ferroviários com largura de 1688 mm) tem origem no isolamento territorial que se pretendia para a península ibérica devido ao perigo das invasões francesas há cerca de 150 anos.

Assim, em Portugal, todo o nosso sistema ferroviário está, actualmente, construído em bitola ibérica e a Espanha possuiu, ainda, cerca de 12.000 km de bitola ibérica, que está, progressivamente, a alterar para bitola europeia.

Todos os países da União Europeia têm os seus sistemas ferroviários construídos em bitola europeia (1435mm de distância entre carris) e a Espanha já tem instalada bitola europeia numa distância de 3.200 km.

É um objectivo logístico da União Europeia que até 2030 a futura rede de comboios, seja de passageiros, seja de mercadorias, esteja instalada, totalmente, em bitola europeia de modo a que a circulação em todo o espaço europeu se faça de uma maneira harmoniosa e sem constrangimentos.

Era suposto e lógico que Portugal seguisse os parâmetros europeus e iniciasse a construção e substituição das suas linhas férreas de bitola ibérica por bitola europeia em toda a extensão da sua ferrovia, que aliás seria suportada, quase na totalidade, por fundos europeus.

Surpreendentemente, em vez de numa atitude de coragem e determinação abraçar este objectivo, o actual governo avançou para uma solução “atamancada” de instalação de travessas polivalentes que, diz o Executivo, vai permitir a circulação simultânea de comboios em bitola ibérica e europeia. Ora isto não é verdade. Neste sistema apenas podem circular, de cada vez, ou comboios de bitola ibérica ou comboios de bitola europeia. Não podem circular ambos em simultâneo.

Não se entende pois a teimosia do actual governo em avançar para uma solução de transição, que é apenas um remendo, que terá se ser corrigido num futuro a curto prazo, com enormes gastos adicionais e prejuízos incalculáveis para economia portuguesa.

Talvez que a explicação desta atitude do actual governo esteja na falta de coragem de enfrentar o lobby da CP e dos respectivos sindicatos que, em detrimento de todo o país, querem manter a bitola ibérica para não alterar os arcaicos sistemas de trabalho instalados nas actuais oficinas da CP (Guifões e quejandos) impedido assim que o país avance na modernização da sua rede ferroviária.

Falta de coragem perante um empresa pública, sistematicamente deficitária, tecnicamente atrasada e que tem sido alimentada pelos nossos impostos sem uma vialibilização à vista. A CP tem capitais próprios negativos no valor de 1.9 mil milhões de euros e um passivo de financiamento de 2,2 mil milhões de euros. Um cancro no universo das empresas púbicas que nenhum governo teve, até agora, a coragem política de enfrentar e resolver.

A decisão de construção da bitola europeia em Portugal foi há muito tomada numa cimeira luso-espanhola, em 2003, em que ambos os países se comprometeram a levar até às respectivas fronteiras redes ferroviárias em bitola europeia, de modo a que toda a península ibérica ficasse ligada ao resto da Europa. Foi Portugal, primeiro por decisão da troika, mais tarde por inépcia e pela habitual bandalheira portuguesa, que não fez a pressão que devia junto de nuestros hermanos levando-os a construir as linhas férreas de bitola europeia para as fronteiras portuguesas como seria lógico. Foi portanto Portugal que falhou por falta de projecto e energia política.

O país corre, assim, o risco, na habitual linha da jangada de pedra, de ver os comboios portugueses impedidos de efectuarem uma ligação rápida e eficaz aos restantes países da União Europeia, ficando nós dependentes da boa vontade espanhola para o escoamento do nosso comércio externo para os restantes países da União Europeia.

Claro que a Espanha não está a dormir na forma e está já a construir uma rede ferroviária em bitola europeia para todos os portos da sua costa mediterrânica e no país basco vai fazer uma ligação com a França, naturalmente, também em bitola europeia. Estes projectos vão possiblitar um rápido escoamento ferroviário da produção espanhola. Nós talvez fiquemos a ver os comboios passar.

A falta de coragem de iniciar uma substituição total e definitiva na nossa rede ferroviária terá, no futuro, profundas consequências económicas e ambientais.

70% das nossas trocas comercias são feitas com a União Europeia. E, daquele valor, 80 % dessas mesmas trocas são transportadas por camiões com as nefastas consequências ambientais que daí advêm.

Em termos económicos sem comboios portugueses que circulem em bitola europeia conseguindo assim chegar ao centro da Europa, Portugal será menos competitivo, com dificuldade em escoar a sua produção. Ficaremos mais isolados, mais pobres, com os reflexos que isso terá nos salários e na falta de competitividade da nossa economia. Seremos uma vez mais ultrapassados pela Espanha.

Os comboios internacionais, todos a funcionar em bitola europeia, estarão impedidos de entrarem em Portugal, prejudicando a lógica de concorrência internacional e deixando-nos, assim, mais sós e com a única opção de circulação em Portugal nos arcaicos comboios da CP.

Economia, ambiente, competitividade, modernização, tudo justificaria em Portugal a mudança definitiva para a bitola europeia. Mas não. Vamos continuar estrangulados pela velha bitola ibérica.

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