Portugal, uma longa e improvável existência de nove séculos
No dia de hoje celebramos o nosso país. Não invocamos uma batalha ou uma conquista, tampouco uma revolução, como muitos outros povos, mas assinalamos antes a data provável do falecimento do maior dos nossos poetas, autor de uma obra-prima que é admirada urbi et orbi e que nos remete para a força da nossa História e para a língua, que foi um factor de coesão da nação portuguesa desde o século XIV e que se tornou numa das mais faladas do mundo, apesar da pequenez territorial do Estado português.
Nascido num finisterra, onde a terra acaba e o mar começa, Portugal desenvolveu-se nos séculos XII e XIII como um território que era periférico, olhando para a massa continental, mas que era central se nos focarmos na linha da costa europeia. O amplo estuário do Tejo foi, por isso, escolhido pelos fenícios para local da última cidade mediterrânica, e depois os romanos tornaram-no uma placa giratória que ligava o mundo mediterrânico, soalheiro e quente, do vinho e do sal, ao mundo atlântico, chuvoso e frio, das lãs e da cerveja. A noção de que o Ocidente Ibérico era diferenciado foi notado há mais de 2500 anos, quando surgiu uma estrada que ligava as Astúrias a Cádis, aproveitando o limite ocidental da Meseta e fugindo quase sempre ao território enrugado que viria, aliás, a definir a linha da fronteira portuguesa. Esta especificidade ocidental foi depois consagrada pelos Romanos quando criaram duas províncias nessa região, a Galécia e a Lusitânia, e manifestou-se de um modo espontâneo quando os seus habitantes começaram a falar uma língua diferente do proto-castelhano, há uns 1000 anos.
Galegos, portugueses e leoneses tiveram aspirações diferentes e enfrentaram-se nos séculos XII e XIII, e foi Portugal que logrou escapar, só, à força centrífuga de Castela. Em 1297, o Tratado de Alcanizes consagrou a fronteira mais antiga do mundo e nasceu então um estado-língua, pois deu-se o caso singular de a linha fronteiriça englobar dentro de si todos os falantes de português e só os falantes de português. Esta unidade entre Estado e língua, num território que só tinha um vizinho e que, algumas décadas mais tarde, em 1373, selou a segurança marítima através da mais velha aliança do mundo, possibilitou, naturalmente, o surgimento de um Estado-Nação precoce, cujos representantes do povo, em 1498, já afirmavam contra a possibilidade de o seu rei ser também de outros e que exigiam que, em caso de união peninsular, o príncipe teria de saber falar português e só poderia nomear portugueses para os cargos administrativos, como veio, a suceder, aliás, entre 1580 e 1640. A propósito da aliança com a Inglaterra vale a pena lembrar que o apoio militar inglês foi importante em 1385 e foi fundamental em 1660-1668 e 1807-1815, para que o país mantivesse a independência.
Entretanto, o rectângulo original tinha-se transformado num país territorialmente descontínuo - um Estado arquipelágico, uma potência marítima que ganhou assim uma largueza que o espaço peninsular lhe negava. As dinâmicas da navegação não se contentaram, todavia, com os arquipélagos adjacentes e o país transformou-se e transformou o mundo pelos Descobrimentos. Até ao final do século XV, nenhum ser humano tinha uma noção sequer aproximada da dimensão e da configuração da Terra, mas as navegações começadas pelos portugueses e seguidas por outros europeus, possibilitaram uma revolução geográfica que alterou para sempre a relação da Humanidade com o planeta, ao dar os primeiros passos para a globalização dos nossos dias.
Exploradores, mercadores, conquistadores ou missionários, os portugueses misturaram-se com povos ultramarinos e a memória desses encontros perdura em inúmeros monumentos e museus, desde o Brasil ao Japão. Por todos esses territórios, lograram estabelecer alianças com potentados locais, o que lhes permitiu criar um império miscigenado, expandir negócios intercontinentais e criar áreas de dominação territorial, caldeadas pela influência do cristianismo e da língua portuguesa. Esta projecção para o exterior longínquo beneficiou da paz duradoura com a Espanha, um caso único em toda a Europa, o que ajuda a compreender a imagem de um país de brandos costumes.
A pequenez territorial desfez-se na amplitude atlântica, que levou o Prior do Crato a prolongar a resistência a Filipe II nos Açores (1580-1583), e, sobretudo, que fez despontar desde muito cedo o Brasil como o principal centro do mundo português, o que já se adivinhava no século XVII, se afirmou no XVIII e que se consagrou no início do XIX, quando a corte se mudou para o Rio de Janeiro.
À raridade do Estado-língua medieval e à felicidade de ter ao lado um vizinho pouco agressivo, que possibilitou cerca de 700 anos de paz fronteiriça, juntou-se mais um facto único a marcar a especificidade portuguesa na História, quando, por uma vez, a corte de um Estado europeu se instalou num território originalmente colonial. No entanto, a grandeza do Brasil excedeu a capacidade de aceitação dos portugueses, que não quiseram tornar-se num vice-reinado e a Revolução Liberal acabou com o Absolutismo, mas também, impediu o recentramento definitivo de Portugal na América.
No mundo complexo do século XX, Portugal continuou a fazer valer a sua relevância geo-política, quando foi um dos fundadores da NATO, em 1949, apesar de ser governado por uma ditadura ao contrário dos outros 11 Estados fundadores. Também a capacidade de se articular com povos indígenas na dominação colonial perdurou até 1974, pois nesse ano, 52% dos efectivos militares que combatiam os movimentos de libertação eram moçambicanos e em Angola também se aproximavam dos 50%. Por isso, o breve episódio da descolonização logo deu lugar a diversos instrumentos de cooperação e à criação da CPLP.
Hoje, Portugal é reconhecido como um país influente nos corredores dos organismos internacionais, o que foi coroado com várias eleições relevantes, com particular destaque para a de António Guterres como secretário-geral da ONU.
País pequeno que se agigantou ao longo da História, Portugal aproxima-se dos nove séculos de existência. Os mais puristas entenderão que a independência só conta desde 1179, quando a Santa Sé reconheceu finalmente a realeza de D. Afonso Henriques, e a maioria contenta-se com o ano de 1143 e o entendimento saído da Conferência de Zamora, mas a verdade é que D. Afonso Henriques se proclamou Rex pela primeira vez, após a Batalha de Ourique, em 1139, e que se tornou, de facto, autónomo em 1128, quando afastou a sua mãe mais os seus aliados galegos da governança do Condado Portucalense.
A Sociedade Histórica da Independência de Portugal irá assinalar esta longa efeméride, na convicção de que pensando o país na sua longa linha temporal poderemos compreender cada vez melhor a nossa sociedade.
Neste olhar para os acontecimentos que moldaram o Reino de Portugal no século XII, o primeiro de todos está à distância de um ano e será assinalado condignamente em Zamora, a 8 de Junho de 2025, no Domingo de Pentecostes, passados nove séculos do dia em que o jovem D. Afonso Henriques deu sinal de rebeldia e de espírito autonomista quando se armou cavaleiro a si próprio, como faziam os reis.
Escreve sem aplicação do Novo Acordo Ortográfico.