O trágico descarrilamento do Elevador da Glória, em Lisboa, que provocou a morte de pelo menos 15 pessoas e mais de duas dezenas de feridos, é mais um episódio que expõe a fragilidade da segurança em Portugal. Um símbolo da cidade, procurado diariamente por milhares de turistas, tornou-se palco de uma tragédia evitável. Tudo aponta para aquilo que há muito se sabe, mas pouco se resolve: a falta de manutenção, a ausência de fiscalização rigorosa e a incapacidade de prevenir o que, com responsabilidade e cuidado, poderia ser evitado.Não estamos perante um caso isolado. O acidente do Elevador da Glória é apenas a face mais visível de uma realidade que se repete, de norte a sul do país, nos transportes, nas infraestruturas, nos serviços públicos e até em áreas sensíveis como a saúde e a proteção civil. Vivemos num país onde se anuncia muito, mas se cuida pouco. Onde a gestão política se concentra em números e discursos, mas se esquece do essencial: proteger vidas.O que aconteceu em Lisboa não pode ser reduzido a um relatório técnico ou a mais uma comissão de inquérito. O que falhou foi o mesmo que tem falhado em tantos outros setores: a cultura de prevenção e de responsabilidade. Em Portugal, continua-se a confundir investimento com publicidades. Fazem-se inaugurações, acumulam-se anúncios e multiplicam-se planos, mas a verdade é que os equipamentos envelhecem, os sistemas degradam-se e as pessoas acabam expostas a riscos desnecessários.Na área dos transportes, o exemplo é gritante. Temos linhas férreas obsoletas, comboios que circulam sem garantias de segurança modernas, estradas municipais em estado de ruína e pontes que inspiram receio em quem as atravessa. O colapso de sistemas de mobilidade não é uma hipótese distante, é uma ameaça permanente que se concretiza em episódios como o que agora enlutou Lisboa.O problema é estrutural: Portugal não leva a sério a manutenção. Somos rápidos a pedir fundos europeus para novos projetos, mas lentos a investir na conservação dos que já existem. E quando a manutenção é feita, é muitas vezes em resposta à pressão da opinião pública após uma tragédia, em vez de resultar de um plano estratégico e rigoroso.As falhas na segurança não se limitam aos transportes. Nos hospitais, a falta de equipamentos e a sobrecarga de sistemas já custaram vidas. Nas escolas, há edifícios com décadas de atraso em obras de requalificação. Até nas respostas de emergência, como a proteção civil ou os bombeiros, faltam meios adequados, coordenação eficaz e investimento atempado. A sensação de insegurança cresce porque os cidadãos percebem que o Estado falha no básico: zelar pela sua integridade.O acidente no Elevador da Glória deve servir como alerta definitivo. Não é aceitável que Portugal continue a adiar a resolução dos seus problemas estruturais. É necessário que haja uma auditoria séria a todas as infraestruturas críticas do país, acompanhada de planos de manutenção transparentes e fiscalizados. É preciso investir em segurança, mas sobretudo em responsabilidade. Quem gere não pode apenas inaugurar, tem de cuidar.A tragédia que roubou vidas em Lisboa não pode cair no esquecimento como tantas outras. É imperativo que a segurança volte a estar no centro das prioridades políticas. Porque quando o Estado falha na proteção da vida, falha em tudo. Portugal precisa de segurança real, não de desculpas. Precisa de líderes que tenham a coragem de assumir que sem manutenção, sem prevenção e sem responsabilidade, qualquer plano de futuro será sempre construído sobre terreno frágil. Que esta dor não seja em vão. Que a memória das vítimas sirva para exigir responsabilidade, rigor e respeito pela vida humana. Portugal não pode continuar a falhar assim.Economista e deputado à Assembleia da República