Portugal continua a enfrentar as suas crises - incêndios, cheias, ciberataques, apagões - com um modelo de proteção civil que ficou preso ao século passado. Assente numa lógica de coordenação entre entidades dispersas, o sistema atual fragmenta responsabilidades, multiplica estruturas e alimenta a ilusão de que o Estado conseguirá, sozinho, responder a tudo.O que temos é, na prática, um modelo de gestão do caos, não de gestão de crises. Cada entidade planeia à sua maneira, sem plataformas comuns, sem partilha de dados em tempo real, sem uma cadeia de comando clara. Quando surge a emergência, entra-se num labirinto de articulações verticais e horizontais - onde o tempo se perde e a responsabilidade se dissolve.É tempo de romper com este padrão. O mundo mudou, os riscos são sistémicos e os recursos continuarão sempre a ser limitados. O que se exige é realismo, pragmatismo e responsabilidade coletiva. É tempo de romper com este padrão. O mundo mudou, os riscos são sistémicos e os recursos continuarão sempre a ser limitados. O que se exige é realismo, pragmatismo e responsabilidade coletiva. Menos planos extensos e burocráticos, pensados para satisfazer estruturas, e mais formação, literacia de risco e cidadania ativa para quem está no terreno - os cidadãos. Menos ficções de autossuficiência, mais maturidade institucional e social.O que propomos é claro: substituir o atual modelo fragmentado, lento e reativo - assente numa coordenação dispersa que falha quando mais é precisa - por um verdadeiro sistema nacional de gestão integrada de crises. Um modelo moderno, interoperável e orientado para quatro eixos essenciais:1. Comando único e permanente - Um centro nacional de gestão de crises, multidisciplinar, operativo 24/7, com autoridade para articular meios civis e militares e garantir resposta rápida e coerente em situações complexas.2. Plataforma tecnológica nacional integrada - Dados meteorológicos, sensores, comunicações de emergência, satélites, drones e redes sociais reunidos num único sistema, permitindo decisões baseadas em evidência - não em intuição ou pressão política.3. Sistema público de alerta eficaz e unificado - Multicanal, simples e fiável. O cidadão não pode continuar a ser o elo mais frágil da cadeia, perdido entre aplicações obscuras, mensagens contraditórias e ordens dispersas.4. Cultura de segurança e responsabilidade partilhada - O Estado não é omnipresente. Cada cidadão deve ser visto e formado como agente de proteção civil. A prevenção começa em casa, nas escolas, nas empresas, nas autarquias. Sem uma sociedade treinada, consciente e mobilizada, nenhum sistema - por mais moderno - resistirá ao próximo grande impacto.Portugal precisa de um novo contrato cívico com a gestão do risco. Um modelo mais exigente, mais transparente, mais ajustado com a complexidade real dos riscos que enfrentamos. Menos burocracia, menos gestão da perceção - e mais cultura de preparação e capacidade de execução.Porque o século XXI já nos ensinou, com tragédias sucessivas, que a coordenação, por si só, já não chega. Em contextos de crise, não basta cada entidade saber o que fazer dentro da sua área. É preciso funcionar como um sistema - com dados partilhados, comando unificado e uma lógica de missão comum.Enquanto persistirem estruturas isoladas, planos não interoperáveis e culturas institucionais centradas em territórios próprios, continuaremos a ter respostas formalmente coordenadas, é certo, mas operacionalmente fragmentadas!E o século XXI não perdoa esse desfasamento. Não é o improviso que hoje compromete a resposta - é a falta de integração.Integrar é mais difícil. Implica abandonar zonas de conforto e as “quintinhas”, como bem referiu o Primeiro-Ministro, Luís Montenegro, no seu discurso de tomada de posse. Implica ver o risco não como exceção, mas como uma dimensão permanente da governação. Mas é o único caminho para proteger com inteligência, eficácia e maturidade.Porque numa crise, a diferença entre a vida e a tragédia não se decide no momento - constrói-se muito antes, na forma como nos preparamos para o que sabemos que vai voltar a acontecer. Especialista em Segurança e Defesa