Portugal não precisa da cartilha da extrema-direita britânica

Publicado a

Os partidos da extrema-direita europeia partilham uma visão comum sobre a imigração: deportações em massa, fronteiras fechadas, restrição de direitos fundamentais. No Reino Unido, o anterior governo aprovou o chamado “plano Ruanda”, apresentado como solução milagrosa para travar a imigração irregular, dissuadir chegadas, acelerar expulsões e aliviar o sistema de asilo. O programa falhou redondamente: nenhuma deportação se concretizou, os tribunais declararam-no incompatível com os direitos fundamentais e as travessias pelo Canal da Mancha continuaram a aumentar. Agora, o Partido Reform vai mais longe e propõe retirar o país da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) para expulsar migrantes de forma indiscriminada. Será esse o modelo que os defensores das mesmas ideias pretendem para Portugal?

A saída da CEDH colocaria Portugal em ruptura com a sua própria Constituição e à margem do Conselho da Europa e da União Europeia, onde a proteção dos direitos humanos é central para ser membro. Mais do que uma questão técnica, seria um abalo político: o país deixaria de ser reconhecido como Estado de direito e passaria a ser um corpo estranho aos valores europeus.

As consequências internas seriam imediatas. Sem a CEDH, os cidadãos – não apenas migrantes – perderiam uma instância de recurso fundamental contra abusos do Estado. Direitos hoje garantidos, como a liberdade de expressão, o direito a um julgamento justo ou a proteção da vida privada, ficariam dependentes da vontade das maiorias parlamentares conjunturais com os votos necessários no Parlamento para rever a Constituição.

Igualmente grave seria a possibilidade de expulsão de mulheres, crianças e nacionais de países em guerra ou sob regimes repressivos. Portugal violaria convenções internacionais que ratificou – como a dos Direitos da Criança ou a da Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres – e ficaria sujeito a condenações na ONU e a sanções políticas dos seus aliados. Para além da ilegalidade, seria um desastre moral: um país que construiu a sua reputação diplomática na defesa dos direitos humanos passaria a ser visto como cúmplice de abusos.

No plano internacional, o dano seria irreparável. A credibilidade de Portugal na União Europeia, nas Nações Unidas e na CPLP depende precisamente da coerência na defesa dos direitos humanos.

Romper com a CEDH e aplicar deportações indiscriminadas destruiria esse capital político, enfraquecendo a voz do país e comprometendo a confiança dos seus parceiros estratégicos. Para um país que depende da diplomacia multilateral para proteger os seus interesses, a ideia de violar voluntariamente o direito internacional é inconcebível.

Acresce que, para além do Reino Unido, outros países europeus ensaiaram ideias semelhantes. A Dinamarca aprovou legislação para transferir requerentes de asilo para países terceiros. A Áustria defendeu a criação de “plataformas regionais” fora da União Europeia. E a Itália assinou um acordo com a Albânia para acolher migrantes resgatados no Mediterrâneo. Todos estes planos geraram forte contestação política e jurídica e, até agora, nenhum foi concretizado. Em vez de resultados, assistimos a um espetáculo político ineficaz, desenhado apenas para alimentar slogans e ressentimentos.

A extrema-direita promete soluções fáceis para problemas complexos. Mas o que oferece é insegurança jurídica, fragilidade democrática e isolamento internacional. Portugal deve resistir a essa tentação populista e apostar em políticas eficazes que respondam às preocupações reais dos cidadãos: habitação, salários, serviços públicos, segurança e integração. Porque destruir direitos não resolve problemas, mas mata a democracia.

Professor Convidado IEP/UCP e NSL/UNL

Diário de Notícias
www.dn.pt