Portugal falha a cuidar dos mais frágeis

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Uma sociedade mede-se também pelo modo como cuida dos seus mais frágeis. E é aí que Portugal continua a falhar. As maiores dificuldades do país permanecem fora da agenda pública, como se a pobreza fosse um tema inconveniente.

Apesar de a taxa ter caído de 23% em 1994 para 16,6% em 2023, continuamos “com 1,76 milhões de pessoas em situação de pobreza”, o que “constitui um flagelo social que obstaculiza as possibilidades de desenvolvimento socioeconómico” (dados da Fundação Francisco Manuel dos Santos).

E se “houve uma descida da taxa de pobreza das crianças e jovens para 17,8%”, ao mesmo tempo “verificou-se um forte agravamento da taxa de pobreza dos idosos, que subiu para 21,1% em 2023”. Ora, não é este tipo de realidade, crianças e idosos vulneráveis, que deveria estar no topo da agenda política?

A agenda política, porém, desvia a atenção. Enquanto persistem problemas estruturais, vemos o debate tomar outras rotas: conflitos internos nos partidos, cortes-e-costuras orçamentais que pouco ou nada tocam o quotidiano da maioria, falas soltas sobre “modernização” que se ficam por powerpoint político, e ainda as ameaçadoras burkas e um pacote laboral a ver se passa entre os pingos da chuva como coisa sem importância. Com humor, ou com alguma mágoa, poderíamos dizer que temos governo de “alta velocidade” para assuntos de gabinete e “carrinha velha” para a transição social. Porque a “modernização” anda a passear no Instagram político enquanto os idosos veem as pensões estagnadas, as famílias trocam emprego por precariedade e as zonas rurais continuam excluídas das ligações digitais e da economia de valor acrescentado.

Se quisermos uma sociedade democrática, próspera e coesa, não podemos continuar a deixar que assuntos menores, ou apenas mediáticos, dominem a agenda. Porque mais do que debates acalorados na televisão, o que importa é que uma criança portuguesa tenha condições para nascer, crescer e ficar; que um idoso não viva em insegurança económica; que as empresas médias possam contribuir para uma economia circular; e que os cidadãos confiem nas instituições porque veem resultados.

Em suma: precisamos de uma agenda política à largura dos problemas, e não à medida dos flashes. Porque, “se o planeta está a arder”, como se costuma dizer, convinha que aqui em Portugal apagássemos primeiro os incêndios sociais.

Jornalista e escritora

Diário de Notícias
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