Portugal é a Europa

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Na imagem que nos foi transmitida por séculos de educação republicana e estadonovista, Portugal, conforme as teses do professor Borges de Macedo, retomadas pelo embaixador Franco Nogueira, só poderia ser grande e verdadeiramente independente através da sua dimensão colonial, que o projetava no mundo como grande potência, visível nos mapas, mais do que na realidade.

Quer a República quer o Estado Novo acreditavam nessa projeção de Portugal no mundo, que era uma miragem de feliz contemplação nos mapas intitulados “Portugal não é um país pequeno”.

O estímulo dos levantamentos armados dos movimentos independentistas, a partir dos Anos 60 do século passado, para além de nos levar a uma guerra sem saída, determinou uma maior atenção às Colónias Africanas e programas de desenvolvimento e aproveitamento de recursos, que iam já muito além do extrativismo primário dos anos anteriores, inserindo-se numa perspetiva mais moderna, mas não menos injusta e desumana.

Enquanto se desmoronava esse império colonial, que o regime da época continuava a teimosamente considerar a garantia da nossa independência “orgulhosamente só”, outros setores, mais conscientes, da nossa elite económica  compreendiam que o nosso verdadeiro ponto de inserção no mundo era a Europa (eram os “europeístas”, que se contrapunham aos “africanistas”) e, por outro lado, os nossos trabalhadores, arriscando a prisão por “emigração clandestina”, fugiam para uma Europa em reconstrução, que lhes dava trabalho, melhores salários e perspetivas de futuro que a nossa sociedade não dava.

A recusa de qualquer compromisso que negasse a gloriosa e imutável imagem imperial bloqueou a possibilidade de negociação com os independentistas e tudo acabou, ao fim de 13 anos de guerras sem saída, pela sensata decisão dos militares, que os levou a libertar Portugal da opereta parafascista montada em 1933.

Entretanto, os nossos emigrantes na Europa progrediam nos seus rendimentos (que lhes permitiam enviar para a pátria divisas bem necessárias na altura) e a sua posição nas sociedades europeias, que os desprezaram durante muitos anos, mudava também.

Na altura, muitos receámos a opção europeia. A nossa frágil economia aguentaria? Forçoso é hoje reconhecermos que era Mário Soares que tinha razão ao trazer “a Europa connosco”.

A Europa desse tempo assentava num compromisso entre democratas cristãos, liberais e sociais-democratas, que, por muito capitalista que fosse, defendia o Estado Social no quadro de um Estado social de direito, e propugnava políticas de coesão que reforçassem a solidariedade europeia.

Com a viragem do liberalismo para uma política clara de confronto de classes, redução dos direitos e dos rendimentos dos trabalhadores e predomínio do capital financeiro sobre o capital produtivo, viragem que, de crise financeira em crise financeira, veio dominar a União Europeia e foi dominante entre nós com o Governo da troika, face a essa viragem a social democracia teve de enfrentar essas políticas. Fê-lo, valha a verdade, com maior ou menor determinação: primeiro rendida e submetida à Terceira Via, ultimamente mais atenta por fim ao que as sociedades reclamam. Essas políticas qualificavam-se de “austeridade expansiva”, audaz oxímoro que até os seus defensores acabaram por entender, ensinados pela dura realidade, que tinha sido nefasto e contraproducente.

Através de todos estes seus avatares, a Europa continua a ser o nosso principal ponto de ligação ao mundo e o lugar onde melhor podemos fazer ouvir a nossa voz. E, num mundo em imprevisível mudança e com crescente ameaça de subida dos níveis de violência nas guerras que proliferam e nas ameaças que se perfilam, isso não é pouca coisa. Mesmo que consideremos “poucochinha” a posição atual da Europa no mundo...

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