Portugal volta a arder, e mais uma vez, arde com a mesma revolta e a mesma frustração de sempre. A cada verão, repetem-se as tragédias, repetem-se as promessas e repete-se a incompetência política que nos trouxe até aqui. Já não é apenas o fogo que consome as nossas florestas, as nossas aldeias e as nossas vidas. É também a confiança dos portugueses num Estado que insiste em falhar, ano após ano, incapaz de proteger o que é verdadeiramente essencial: as pessoas, o território e o futuro do país. Os números não enganam: desde o início do século, a área ardida em Portugal já equivale a 36% do território nacional. Nenhum país da Europa chega sequer perto disto, nenhum passa dos 7%. A dimensão da catástrofe é incomparável e devia obrigar qualquer Governo à humildade e à ação séria. Mas, em vez disso, temos sucessivos executivos a empurrar responsabilidades, a gastar milhões em sistemas ineficazes e a deixar queimar o país ano após ano. Estamos a meio da época dos fogos, que se prolonga até outubro e já temos a segunda pior marca desde 2009, só ultrapassada pelo trágico 2017. A área ardida está 53% acima da média desde 2007, ano em que o SIRESP entrou em funcionamento. O mesmo SIRESP que custou meio milhar de milhão de euros e que prometia eficácia. Onde está essa eficácia? Onde está o retorno do investimento que os contribuintes suportaram? A verdade é que Portugal não tem estratégia, não tem meios, não tem visão. Enquanto outros países utilizam verdadeiros ataques de alcateia, vários aviões a despejar água em simultâneo, nós ficamos satisfeitos com o empréstimo de aviões suecos de 3 mil litros, quando devíamos ter no terreno canadair de 12 mil litros, em número suficiente e preparados para atuar. Há aviões no mundo com capacidade para lançar até 70 mil litros por descarga. E Portugal, o país que mais arde na Europa, continua a mendigar meios a outros, sempre insuficientes, sempre tardios. É deprimente e revoltante. No meio deste cenário desolador, há uma verdade que não podemos esquecer: os bombeiros portugueses são o maior orgulho nacional. São homens e mulheres que, ano após ano, enfrentam as chamas de peito aberto, muitas vezes sem descanso, exaustos, com equipamentos insuficientes e um apoio que nunca corresponde ao seu sacrifício. São eles que deixam as famílias para proteger as nossas, que arriscam a vida para salvar vidas. Estão cansados, esgotados e injustiçados, mas nunca se rendem. O mínimo que o Estado lhes deve é dignidade, reconhecimento e condições à altura da sua coragem. Os portugueses sentem-se sozinhos. Sentem que vivem num país que arde todos os anos sem que nada mude. Perdem casas, terras, memórias, vidas. Perdem a esperança. E perdem-na porque sabem que a responsabilidade não é apenas da “mão criminosa” que ateia o fogo. É também de um Estado que falha, que não previne, que não protege e que, quando é chamado a agir, chega sempre tarde e mal. É preciso dizer sem rodeios: mais de 80% dos fogos têm origem criminosa. E um incendiário reincidente não é apenas um criminoso comum, é um terrorista que devia cumprir penas pesadas e efetivas. É incompreensível que alguém que queime hectares de floresta e ponha em risco vidas humanas seja condenado a uns meses de prisão para, no verão seguinte, estar cá fora a repetir o crime. Isto é brincar com a dor alheia e desrespeitar a vida dos portugueses. Esperemos que o debate parlamentar de urgência, que se fará na próxima semana por exigência do CHEGA consiga respostas imediatas. Este não é um problema de hoje nem de ontem. É um problema de décadas, de um Estado que preferiu burocracia a estratégia, propaganda a prevenção e desculpas a soluções. Mas há um limite. E esse limite já foi ultrapassado. Portugal não pode continuar a arder todos os verões como se fosse inevitável. Não podemos aceitar que sejamos campeões da incompetência e do desleixo. O país precisa de uma política florestal séria, de meios de combate eficazes, de justiça rápida e exemplar. Precisa de dignidade para os bombeiros e de segurança para as populações. É isso que os portugueses exigem. Porque amar Portugal também é protegê-lo das chamas. Economista e deputado à Assembleia da República