A aposentação (que nalgumas carreiras públicas tem o nome otimista de jubilação) corresponde ao momento em que a sociedade deixa de pedir o nosso trabalho a troco de nos fornecer meios de subsistência e passa a sustentar-nos, melhor ou pior, sem imediata contrapartida nossa (pagámo-la já durante todos os anos que trabalhámos).Nesse momento pode pôr-se em causa a falta que fazemos ou não à sociedade. Podemos, é claro, ou integrar projetos que nos dêem finalidade à vida e alguma eventual ajuda à bolsa ou, pura e simplesmente (e é o meu caso), consagrar-me ao que sempre gostei de fazer, escrever e dedicar-me à literatura, sem que ninguém mo peça. Fazemos falta? Sim, fazemos falta aos nossos, à família, e a alguns amigos. A ilusão da posteridade, que é no fundo o que nos faz escrever, vai-se desfazendo ao mesmo tempo que quase todas as nossas ilusões.Somos testemunhas. Mas atravessámos épocas tão diferentes e em tão acelerada mutação e os nossos testemunhos embrulham-se em tantos passados, que finalmente deixamos de ter ilusões para ficarmos (os melhores de nós) com os princípios.E os princípios transcendem as épocas, as melhores e as piores: defender os fracos contra os fortes, sejam estes Putin e Netanyahu face à Ucrânia e a Gaza, ou os trabalhadores face aos patrões, seja Trump com a sua censura ou a cumplicidade de alguns meios de comunicação social com os autocratas e os defensores das autocracias. Queremos estar informados, não ser formatados.As respostas às situações nunca deixam de ser ideológicas. As que mais são verberadas pela sua ideologia são as soluções socialistas democráticas, que atualizaram o socialismo no quadro da economia moderna, sem renegar os seus princípios de defesa dos trabalhadores e do Estado Social. As que passam por científicas são as ultra liberais, da escola de Chicago, que até tivemos oportunidade de experimentar aqui, e que revertem o liberalismo ao seu modelo original do século XIX, considerando-se, porém, exemplos maiores de modernidade. E, entretanto, alguns escrevem. Não me queixo, mas sinto. Vim de um tempo em que se dava maior atenção às letras e às escritas que mais pedem aos leitores, como a poesia. Da poesia já pouco se fala. Os leitores, porém, continuam a existir, sejam eles malévolos como víboras ou isentos e atentos ao que a poesia lhes pode trazer, que é sempre uma interrogação maior. E é para deixar viva e vibrante essa interrogação que servem os poetas, novos e velhos.Diplomata e escritor