Politólogos tarólogos

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Em março de 2021, vivia o Brasil sob duas tragédias, a epidemia de coronavírus e o governo de Jair Bolsonaro, o correspondente do DN no país sentiu-se, quando enviou uma reportagem que incluía uma reflexão do cientista político Vinícius Vieira e a transcrição de trechos de uma carta de Raul Jungmann, ministro dos executivos de Fernando Henrique Cardoso e de Michel Temer, ao Supremo, meio alarmista. Um bocadinho sensacionalista, até. 

O politólogo avisava que “não seria de excluir o cenário de uma tentativa de golpe de Estado” protagonizada pelo então presidente em caso de derrota para Lula da Silva nas eleições do ano seguinte. E o político alertava que “a política armamentista de Bolsonaro” poderia gerar “cenas como a da invasão do Capitólio americano após as eleições de 2022”.

Apesar de o Brasil ter sido palco de quatro golpes de Estado bem sucedidos - em 1889, com a  deposição do imperador Dom Pedro II; em 1930, com a queda do presidente Washington Luís; em 1937, quando Getúlio Vargas se tornou ditador; e, em 1964, quando os militares tomaram o poder -, a mera menção a uma trama desse tipo em pleno século XXI parecia, de facto, meio alarmista. Um bocadinho sensacionalista, até. 

Não era: desde dia 2, Bolsonaro, um punhado de generais e outros desocupados começaram a ser julgados pelo crime de golpe de estado e pela contribuição para a destruição, a 8 de janeiro de 2023, da Praça dos Três Poderes, o capitólio brasileiro. A condenação é dada como certa porque os réus documentaram o passo a passo do plano, produzindo provas intermináveis contra si mesmos. 

Outro núcleo de generais será julgado numa fase posterior por ter arquitetado a eliminação de Lula e do vice eleito Geraldo Alckmin por envenenamento e a execução do juiz Alexandre de Moraes por tiro ou bomba - o projeto foi detalhado em fotocópias tiradas no gabinete do presidente no Planalto.

Vinícius Vieira e Raul Jungmann, portanto, acertaram as suas previsões com uma precisão de fazer inveja ao mais intuitivo dos tarólogos. E mostraram ao tal correspondente do DN no Brasil que esta extrema-direita que se abateu sobre o país (e sobre o mundo) é mesmo capaz de ter as ideias mais desatinadas e anacrónicas. 

Por isso, quando alguém vaticina que em 2026 os EUA podem tentar uma intervenção militar no Brasil, uma ideia vista a esta distância como alarmista ou até sensacionalista, devemos, o passado prova-o, levá-lo em consideração. 

No dia da segunda volta das eleições de 2022, o intervalo entre o Tribunal Eleitoral homologar Lula como presidente eleito e o comunicado de Joe Biden a felicitar o vencedor foi de 35 minutos. Em 2026, uma eventual reeleição de Lula será reconhecida por Donald Trump, que já vem declarando uma espécie de guerra comercial, económica e jurídica ao Brasil?

“Nesta nova era do imperialismo, com apoios de quintas colunas, como a família Bolsonaro, não se pode excluir a médio ou longo prazo o cenário de uma intervenção militar americana no Brasil…”, previu ao DN o politólogo - e tarólogo? - Vinícius Vieira.

Jornalista, correspondente em São Paulo

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